PALAVRA COM SENTIDO

PALAVRA COM SENTIDO “… Hossana! Bendito o que vem em nome do Senhor …" (cf. Marcos 11, 10) “…Todos os anos, esta liturgia cria em nós uma atitude de espanto, de surpresa: passa-mos da alegria de acolher Jesus, que entra em Jerusalém, à tristeza de O ver condenado à morte e crucificado. É uma atitude interior que nos acompanhará ao longo da Semana Santa. Abramo-nos, pois, a esta surpresa. Jesus começa logo por nos surpreender. O seu povo acolhe-O solenemente, mas Ele entra em Jerusalém num jumentinho. Pela Páscoa, o seu povo espera o poderoso libertador, mas Jesus vem cumprir a Páscoa com o seu sacrifício. O seu povo espera celebrar a vitória sobre os romanos com a espada, mas Jesus vem celebrar a vitória de Deus com a cruz. Que aconteceu àquele povo que, em poucos dias, passou dos «hossanas» a Jesus ao grito «crucifica-O»? Que sucedeu? Aquelas pessoas seguiam uma imagem de Messias, e não o Messias. Admiravam Jesus, mas não estavam prontas para se deixar surpreender por Ele. A surpresa é diferente da admiração. A admiração pode ser mundana, porque busca os próprios gostos e anseios; a surpresa, ao contrário, permanece aberta ao outro, à sua novidade. Também hoje há muitos que admiram Jesus: falou bem, amou e perdoou, o seu exemplo mudou a história, e coisas do género. Admiram-No, mas a vida deles não muda. Porque não basta admirar Jesus; é preciso segui-Lo no seu caminho, deixar-se interpelar por Ele: passar da admiração à surpresa. E qual é o aspeto do Senhor e da sua Páscoa que mais nos surpreende? O facto de Ele chegar à glória pelo caminho da humilhação. Triunfa acolhendo a dor e a morte, que nós, súcubos à admiração e ao sucesso, evitaríamos. Ao contrário, Jesus «despojou-Se – disse São Paulo –, humilhou-Se» (Flp 2, 7.8). Isto surpreende: ver o Omnipotente reduzido a nada; vê-Lo, a Ele Palavra que sabe tudo, ensinar-nos em silêncio na cátedra da cruz; ver o Rei dos reis que, por trono, tem um patíbulo; ver o Deus do universo despojado de tudo; vê-Lo coroado de espinhos em vez de glória; vê-Lo, a Ele bondade em pessoa, ser insultado e vexado. Porquê toda esta humilhação? Por que permitistes, Senhor, que Vos fizessem tudo aquilo? Fê-lo por nós, para tocar até ao fundo a nossa realidade humana, para atravessar toda a nossa existência, todo o nosso mal; para Se aproximar de nós e não nos deixar sozinhos no sofrimento e na morte; para nos recuperar, para nos salvar. Jesus sobe à cruz para descer ao nosso sofrimento. Prova os nossos piores estados de ânimo: o falimento, a rejeição geral, a traição do amigo e até o abandono de Deus. Experimenta na sua carne as nossas contradições mais dilacerantes e, assim, as redime e transforma. O seu amor aproxima-se das nossas fragilidades, chega até onde mais nos envergonhamos. Agora sabemos que não estamos sozinhos! Deus está connosco em cada ferida, em cada susto: nenhum mal, nenhum pecado tem a última palavra. Deus vence, mas a palma da vitória passa pelo madeiro da cruz. Por isso, os ramos e a cruz estão juntos…” (Papa Francisco, 28 de Março de 2021)

segunda-feira, 26 de agosto de 2019

PALAVRA DO PAPA FRANCISCO



- na Audiência-Geral, na Praça de São Pedro – Roma, no dia 21 de Agosto de 2019.

Queridos irmãos e irmãs, bom dia!
A comunidade cristã nasce da efusão superabundante do Espírito Santo e cresce graças ao fermento da partilha entre os irmãos e as irmãs em Cristo. Há um dinamismo de solidariedade que edifica a Igreja como a família de Deus, onde a experiência da ‘koinonia’ é central. O que significa esta palavra tão estranha? É uma palavra grega que significa "pôr em comunhão", "pôr em comum", ser como uma comunidade, não isolados. Esta é a experiência da primeira comunidade cristã, isto é, pôr em comum, "compartilhar", "comunicar, participar", não se isolar. Na Igreja das origens, esta ‘koinonia’, esta comunidade refere-se, antes de mais, à participação no Corpo e Sangue de Cristo. Por isso, quando participamos na comunhão, dizemos "comungamos", entramos em comunhão com Jesus e, desta comunhão com Jesus, chegamos à comunhão com os irmãos e as irmãs. E esta comunhão no Corpo e Sangue de Cristo que se faz na Santa Missa traduz-se em união fraterna e, portanto, também naquilo que é mais difícil para nós: pôr em comum os bens e recolher o dinheiro para a colecta em favor do Igreja-mãe, de Jerusalém (cf. Rm 12, 13; 2 Cor. 8, 9) e das outras Igrejas. Se quiserdes saber se sois bons cristãos, deveis rezar, procurar aproximar-vos da comunhão e do sacramento da reconciliação. Mas, o sinal de que o teu coração se converteu é quando a conversão chega aos bolsos, quando toca o próprio interesse: aí, é onde vê se alguém é generoso com os outros, se ajuda os mais débeis, os mais pobres. Quando a conversão chega aí, fica seguro de que há uma verdadeira conversão. Se fica apenas nas palavras, não é uma boa conversão.
A vida eucarística, as orações, a pregação dos Apóstolos e a experiência da comunhão (cf. Actos 2,42) fazem dos crentes uma multidão de pessoas que - diz o Livro dos Actos dos Apóstolos - têm "um só coração e uma só alma" e ninguém chamava seu ao que lhe pertencia, mas, entre eles, tudo era comum (cf. Actos 4,32). É um modelo de vida tão forte que nos ajuda a ser generosos e não forretas. Por este motivo, "ninguém [...] entre eles era necessitado, porque aqueles que possuíam - diz o Livro – que possuíam campos ou casas os vendiam, traziam o produto do que foi vendido e colocavam-no aos pés dos Apóstolos; depois, era distribuído a cada um, segundo as suas necessidades” (cf. Actos 4, 34-35). Na Igreja, sempre houve este gesto de cristãos que se despojavam das coisas que tinham a mais, das coisas que não eram necessárias para entregá-las àqueles que precisavam delas. E não apenas dinheiro: também, o tempo. Quantos cristãos - vocês, por exemplo, aqui em Itália - quantos cristãos fazem voluntariado! Isso é muito lindo! É comunhão compartilhar o meu tempo com os outros, para ajudar aqueles que têm necessidades. É, assim, o voluntariado, as obras de caridade, as visitas aos doentes… É, sempre, preciso partilhar com os outros, e não procurar o próprio interesse.
A comunidade, ou ‘koinonia’, torna-se, assim, a nova modalidade de relação entre os discípulos do Senhor. Os cristãos experimentam um novo modo de estar entre si, de se comportar. É o modo de ser próprio dos cristãos, a ponto de os pagãos olharem para os cristãos e dizerem: "Vede como eles se amam!" O amor era o seu modo de ser. Mas não amor de palavras, não amor fingido: amor de obras, de ajudar-se uns aos outros, amor concreto, a solidez do amor. O vínculo com Cristo estabelece um vínculo entre os irmãos, que conflui e se expressa, também, na comunhão de bens materiais. Sim, este modo de estar juntos, este amar-se assim chega aos bolsos; chega, também, ao despojamento do impedimento do dinheiro para o dar aos outros, indo contra o próprio interesse. Ser membros do Corpo de Cristo torna os crentes corresponsáveis ​​uns pelos outros. Ser crentes em Jesus torna-nos corresponsáveis ​​uns pelos outros. "Mas, olha para aquele, os problemas que ele tem: a mim, não me importa, é coisa dele." Não!... Entre os cristãos não podemos dizer: "Coitado, tem um problema em casa, está a passar por esta dificuldade familiar". Mas, devo rezar; tomo-a como minha; não fico indiferente. Isto é ser cristão. É por isso que os fortes apoiam os fracos (cf. Rm 15, 1) e ninguém experimenta a indigência que humilha e desfigura a dignidade humana, porque eles vivem esta comunidade: têm um só coração. Amam-se. Este é o sinal: amor concreto.
Tiago, Pedro e João - que são os três apóstolos como que as "colunas" da Igreja de Jerusalém – decidem em assembleia que Paulo e Barnabé evangelizem os pagãos, enquanto eles evangelizam os judeus, e pedem, apenas, a Paulo e a Barnabé, uma condição: não se esquecerem dos pobres; lembrar-se dos pobres (cf. Gálatas 2, 9-10). Não só dos pobres materiais, mas também dos pobres espirituais, as pessoas que têm problemas e precisam de nossa proximidade. Um cristão parte sempre de si mesmo, do seu coração, e aproxima-se dos outros como Jesus se aproximou de nós. Esta é a primeira comunidade cristã.
Um exemplo concreto de partilha e de comunhão de bens chega-nos do testemunho de Barnabé: ele possuía um campo e vendeu-o para entregar o produto aos Apóstolos (cf. Actos 4,36-37). Mas, ao lado do seu exemplo positivo, aparece um outro tristemente negativo: Ananias e a sua esposa Safira, tendo vendido um terreno, decidem entregar apenas uma parte aos Apóstolos e reter a outra para si mesmos (cf. Actos 5, 1-2). Esta aldrabice interrompe a cadeia de partilha gratuita, a partilha serena e desinteressada; e as consequências são trágicas, são fatais (Actos 5, 5.10). O apóstolo Pedro desmascara a incorrecção de Ananias e da sua esposa e diz-lhe: "Ananias, porque é que Satanás invadiu o teu coração, a ponto de te levar a mentir ao Espírito Santo e subtraíres uma parte do preço do terreno?" [...] Não foi aos homens que tu mentiste, mas a Deus "(cf. Actos 5, 3-4). Podemos dizer que Ananias mentiu a Deus por causa de uma consciência voltada para si mesma, de uma consciência hipócrita, por causa de uma pertença eclesial "negociada", parcial e oportunista. A hipocrisia é o pior inimigo desta comunidade cristã, deste amor cristão: fingir querer bem aos outros, mas só procurar o próprio interesse.
Faltar à sinceridade na partilha ou faltar à sinceridade do amor significa cultivar a hipocrisia, afastar-se da verdade, tornar-se egoísta, extinguir o fogo da comunhão e voltar-se para o gelo da morte interior. Quem se comporta assim passa na Igreja como um turista. Há muitos turistas na Igreja que estão sempre e passagem, mas nunca entram na Igreja: é o turismo espiritual que os faz pensar que são cristãos, mas são apenas turistas das catacumbas. Não!... Não devemos ser turistas na Igreja, mas irmãos uns dos outros. Uma vida definida apenas em lucrar e aproveitar as situações à custa dos outros, inevitavelmente causa a morte interior. E, quantas pessoas dizem próximas da Igreja, amigos dos padres e dos bispos, e que procuram, apenas, o seu próprio interesse. Estas são as hipocrisias que destroem a Igreja!
O Senhor – peço-o por todos nós - derrame sobre nós o seu Espírito de ternura, que vence toda a hipocrisia e faz girar a verdade que alimenta a solidariedade cristã, que, longe de ser uma actividade de assistência social, é a uma expressão inalienável da natureza da Igreja, terna mãe de todos, especialmente os mais pobres. (cf. Santa Sé)