sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

SANTOS POPULARES

 


BEATO JOÃO (JÁN) HAVLIK
 
João Havlík nasceu no dia 12 de Fevereiro de 1928, em Vlčkovany, na Checoslováquia (hoje Dubovce, na Eslováquia). Era o primeiro dos quatro filhos de Carlos Havlík, trabalhador agrícola, e de Justina Pollakova. Quando criança, era muito vaidoso, tanto que a sua mãe, frequentemente, tinha de o repreender. Em 27 de Setembro de 1941, recebeu o Sacramento da Confirmação, em Radošovce.
A crise económica - devido à Segunda Guerra Mundial - foi fortemente sentida na família, mas Janko (tratamento familiar de Ján, ‘Joaozinho’) queria continuar a estudar. Então, depois de completar os cinco anos da escola primária, em Vlčkovany, frequentou a escola em Holíč: todos os dias, caminhava dezasseis quilómetros, para não faltar às aulas. Dois anos depois, frequentou o Ensino médio, na escola de Skalica, que ficava muito mais longe: então, percorria a distância de trinta e seis quilómetros de bicicleta, todos os dias.
Um grande sonho animava o seu desejo de estudar, adquirir cada vez mais conhecimentos, formar-se nas ciências e na alma: Janko queria ser padre na Congregação da Missão de São Vicente de Paulo. A sua decisão foi, certamente, influenciada pela relação profunda que ele mantinha com sua tia, Ângela Havlíková, que trabalhava em Nitra como professora de eslovaco e de música e que, mais tarde, entrou na Congregação das Filhas da Caridade, adoptando o nome de Irmã Modesta.
Em 1943, com 15 anos, João começou a frequentar o Colégio Apostólica dos Padres Vicentinos, em Banska Bystrica, uma estrutura para o discernimento e formação de prováveis ​​futuros candidatos ao sacerdócio, na mesma Congregação. João era um jovem alto, atlético e sorridente, com muito talento para cantar. Falava com elevação, criatividade e sabedoria. Era, também, muito devoto de Nossa Senhora e amante da oração.
Em 1944, o Colégio foi transferido para Trnava; só voltou ao seu local original no final da guerra. Em Maio de 1949, João fez os exames finais do Ensino Médio e, então, começou o noviciado em Ladce. Enquanto continuava a sua formação, sonhava tornar-se missionário e "ensinar o cristianismo aos filhos de Estaline", como ele, uma vez, confidenciou à sua mãe.
No entanto, precisamente no momento em que João deveria passar da Escola Apostólica para o Seminário Maior Vicentino, de Bratislava e, de lá, para a Faculdade de Teologia, o poder estatal comunista encerrou o Seminário dos Padres Vicentinos. De facto, dois anos antes, no “vitorioso Fevereiro de 1948”, o totalitarismo comunista fez um golpe de estado, assumindo o poder e opondo-se abertamente à Igreja.
João e os seus companheiros também não puderam frequentar o Seminário Diocesano de Bratislava, porque as autoridades, também, o tinham encerrado.
Entretanto, João e os companheiros, que, logo que começaram o noviciado, ficaram sob fiscalização e vigilância dos Serviços Secretos, foram presos pelos Serviços de Segurança, naquela que foi definida como a “noite bárbara dos vicentinos”, entre os dia 3 e 4 de Maio de 1950, cujo nome de código era ‘Akcia K’ [Operação K foi o nome de código para a acção de liquidação violenta das ordens religiosas masculinas, em 1950, na Checoslováquia pelo então regime comunista. Ficou conhecida, na história, pela sua brutalidade, com o nome de "Noite Bárbara". Os comunistas vinham planeando, desde 1948, a destruição de todos os mosteiros, imediatamente após sua ascensão ao poder. Estavam, apenas, a procurar uma desculpa para justificar a acção repressiva sobre a Igreja. Esta acção – ‘Operação K’ foi aprovada pelo Presidium do Partido Comunista da Checoslováquia, em Fevereiro de 1950. A acção tinha como objetivo forçar os monges a abandonar a vida religiosa e enfraquecer a sua influência sobre o povo. Foi decidido intervir "de uma só vez, durante uma noite, na forma de um ataque bem preparado que colocaria o nosso povo e o povo estrangeiro diante de um facto consumado". A acção foi precedida por um julgamento político de dez líderes religiosos que foram acusados ​​de actividades anti estatais e ódio ao regime democrático popular, além de abrigar agentes inimigos e produzir panfletos contra revolucionários. O trabalho preparatório para o evento foi coordenado com um importante funcionário do KSS, Gustáv Husák, que estava encarregado do Gabinete Eslovaco para os Assuntos da Igreja]
João e os outros noviços foram levados para trabalhar na construção de uma barragem, no norte do país, em Nosíce, perto de Púchov, no rio Vah: a estrutura foi apelidada de “Barragem da Juventude”, porque os trabalhadores – condenados a trabalhos forçados - eram todos jovens, membros de ordens religiosas declaradas dissolvidas, no mesmo ano.
Para serem ‘reeducados’ pelo regime foram, depois, levados para Kostolná, sede de um “mosteiro especial para jovens religiosos”, sob a vigilância e instrução das autoridades comunistas: tinham alojamento, mas eram obrigados a estudar na nova Faculdade Teológica de Bratislava, de onde sairiam como sacerdotes, como instrumentos do poder instituído, para controlar os fiéis. Como a maioria dos jovens religiosos recusou-se a seguir este programa de reeducação, as autoridades dissolveram o ‘mosteiro’, em agosto.
João não voltou para casa como os outros: juntamente com o seu irmão, foi para casa da sua tia, a Irmã Modesta, que, antes de ser levada para trabalhos forçados, conseguiu encontrar um lar para eles, em Nitra. João começou, então, a trabalhar nos Transportes Ferroviários da Checoslováquia.
O jovem adaptou-se bem. Em Setembro, escreveu aos seus colegas noviços para se encontrar uma maneira de não perder os anos de estudos. Finalmente, juntos, chegaram a uma solução: poderiam estudar clandestinamente, enquanto continuavam a trabalhar
Sob a orientação do Padre Estêvão Kriština, que havia sido o director espiritual do Seminário Menor Vicentino, seis jovens (quatro seminaristas, um irmão noviço e um aluno não noviço do ensino médio) começaram a estudar os fundamentos da filosofia e da teologia e continuaram a sua formação, vivendo juntos. O dia começava com oração comunitária, pela manhã, e continuava com o trabalho. Ao voltar a casa, passaram a tarde e a noite ouvindo palestras; estudando e acompanhando os programas da Rádio Vaticano. Frequentavam a igreja mais próxima e eram apoiados pelas Filhas da Caridade, que trabalhavam, como enfermeiras, no hospital local.
Em meados de Maio de 1951, João e outros três seminaristas deixaram os seus empregos (ele havia encontrado outro emprego, em Sitno, numa fábrica estatal) e dedicaram-se integralmente aos estudos. Porém, não sabiam que já estavam sob observação rigorosa da polícia secreta: um jovem de dezasseis anos, membro da União da Juventude Checoslovaca (organização juvenil do Partido Comunista), tinha denunciado a estranha associação clandestina. Nesse meio tempo, João perdeu o contacto com a sua tia, a Irmã Modesta, que foi deportada para a fronteira entre a Checoslováquia e a Alemanha. João encontrou conforto e ajuda nos Padres Vicentinos, que solidificaram a sua fé e espiritualidade.
Os Padres Vicentinos e os seminaristas foram todos presos, em 29 de Outubro de 1951. João viu-se sujeito a confinamento solitário, suspeito de actividade ilegal contra o Estado e de ser um espião do Vaticano. Foi submetido a interrogatórios, diversas vezes, com o objectivo de o faze ceder psicologicamente. Por exemplo, diziam-lhe constantemente: "Confesse qual era a sua missão, já que, no sistema democrático-popular, a Ordem dos Vicentinos [outro nome para os vicentinos] foi suprimida." Ele respondeu: «Eu quero ser padre daquela Ordem, mesmo que ela tenha sido suprimida, ou melhor, não suprimida, mas dissolvida. Eu nunca reconheci a supressão desta Ordem."
Os interrogatórios continuaram no Ministério Público de Bratislava: João continuou a declarar a sua inocência e a reiterar que não queria torna-se um padre subserviente ao regime (o que o teria automaticamente excomungado).
O seu julgamento teve lugar entre 4 e 5 de Fevereiro de 1953: João foi condenado a catorze anos de prisão, por alta traição. Ao ouvir a condenação, virou-se para a sua mãe, dizendo-lhe: “Não chore, mãe. Tínhamos que oferecer um sacrifício a Deus, no altar; agora elevar-lhe-emos a nossa vida e os nossos sofrimentos, em vez da hóstia."
Foi enviado para o campo de trabalhos forçados de Ostrovc: embora seu atestado médico o designasse como apto para trabalhos leves, foi designado para o serviço das minas, para ajudar na escavação dos veios de urânio, sem qualquer forma de protecção. No final de Abril, foi enviado para o campo de Bytíz, em Příbram, como mineiro e operador de bombas de águas profundas.
Desempenhava o seu trabalho com afinco, mas o seu físico começou a sofrer: tinha problemas cardíacos e uma ruptura de ligamento, na perna direita, o que o levava, muitas vezes, à enfermaria. Assim que conseguia levantar-se, voltava para o trabalho.
No outono de 1958, foi acusado de fazer parte de uma associação prisional clandestina. Mais uma vez, em julgamento, declarou que só havia realizado actividades de evangelização e oração, com alguns presos. Foi condenado a mais um ano de prisão.
Em 27 de Maio de 1958, foi internado em confinamento solitário, na prisão de Praga. Cada vez mais doente, foi internado no hospital, na enfermaria dos doentes psiquiátricos, com o diagnóstico de "síndrome neurastênica com transtorno depressivo". Naquele momento, a sua fé vacilou, mas, somente confiando na Providência, ele conseguiu enfrentar aquela prova.
Mais de uma vez, pediu clemência ou pelo menos uma redução de sua pena; porém, o seu pedido foi sistematicamente rejeitado. No Tribunal de Apelações de Praga, no início de Fevereiro de 1959, ele declarou: «O meu objectivo final era tornar-me padre. Segui a minha consciência. Não tenho mais nada a acrescentar!»
Em todas as suas atribuições, João procurava manter a calma e incutir esperança nos outros seminaristas e colegas de trabalho. «Sinto que estou numa missão. Afinal, nenhum missionário poderia aspirar a uma posição melhor e mais estimulante do que esta!», confidenciou ao seu amigo e companheiro de prisão António Srholec.
À noite, mesmo exausto do trabalho, ele copiava o livro "Humanismo Integral", de Jacques Maritain, traduzido directamente do francês, e depois distribuía-o entre os seus companheiros de prisão. Não sentia ressentimento em relação aos seus perseguidores e sabia que, perseverando nos seus ideais, enfrentaria a morte. Se ele tivesse declarado que não queria mais ser padre, teria sido libertado.
No final do ano adicional, foi enviado para o campo de reeducação em Valdice, perto de Jičin, onde foi empregado num trabalho humilde e mal pago, fazendo alfinetes e prendedores de roupa. Nem mesmo a proposta de uma amnistia-geral, proclamada em 1960, o preocupou: na verdade, continuava na sua missão de estabelecer relações com os outros prisioneiros, incluindo o seu superior provincial e dois bispos.
Desde o início de Outubro de 1960, João esteve detido, no complexo penitenciário de Pankrac: também ali, se por um lado parecia ser um trabalhador produtivo, ainda que à custa da sua saúde, por outro lado, exercia actividades, definidas como anti estado.
No outono de 1961, cada vez mais doente, foi levado para a prisão de Ilava; Agora, faltava apenas um ano para ele cumprir a sua sentença. Todos os pedidos de clemência foram rejeitados, enquanto a sua saúde estava agora muito frágil.
Em 29 de Outubro de 1962, João foi libertado. Teve a alegria de abraçar, novamente, a sua mãe, a sua tia, a Irmã Modesta, e outros familiares. Até mesmo os seus companheiros de infância ficaram felizes em vê-lo novamente, pois eles tinham muita consideração por ele. Na medida em que a sua saúde o permitia, entre as idas ao Hospital de Skalica, colaborava na vida da comunidade cristã, preparando as crianças para a Primeira Comunhão.
Também, conseguiu escrever no seu diário o que sentiu durante os meses de prisão, cheio de reflexões, orações e invocações. Também compôs "A Via Sacra das Pequenas Almas", um texto em que imagina uma criança a acompanhar Jesus até o Gólgota. Por último, continuou a traduzir textos do alemão e do italiano.
«Hoje, o altar do meu sacrifício é o meu leito de inválido e o meu corpo em decomposição», anotou ele nos seus escritos pessoais. Além disso, continuava a ser espiado pela polícia secreta, pois parecia que a punição que lhe fora dada não havia atingido seu propósito.
Nas vésperas de Natal de 1965, João teve alta do hospital para poder passar as férias com a sua família. Na manhã de 27 de Dezembro de 1965, festa de São João Evangelista, dia do Santo do seu nome, decidiu ir consultar um médico, na aldeia vizinha de Popudiny e levou consigo um rádio, que a sua mãe lhe havia pedido para levar, para ser reparado.
Enquanto caminhava pelas ruas de Skalica, João sentiu-se mal. Parou ao lado de um contentor de lixo, colocado do lado de fora de uma casa. O dono, que era médico, viu-o: tentou falar com ele, mas não obteve resposta. Com a ajuda de um transeunte, levou-o para sua casa; mas, não pôde fazer nada além de confirmar a sua morte.
O médico não sabia quem ele era, mas, a sua esposa reconheceu-o: ela tinha-o tratado num dos seus internamentos, no Hospital, e deixou-se impressionar pela sua bondade e gentileza.
João tinha trinta e sete anos, onze dos quais passados em cativeiro.
Está sepultado na igreja de São Vicente de Paulo, em Bratislava.
A sua memória foi sempre acompanhada pela fama do seu martírio, mesmo nos anos em que, durante o regime comunista, não foi possível declará-lo, abertamente. Com o restabelecimento da democracia, foi possível reconhecer, publicamente, o seu testemunho e apresentá-lo como exemplo de fé e perseverança. Por meio de iniciativas e publicações, deram-no a conhecer, sobretudo, aos mais jovens.
João Havlík foi beatificado no dia 31 de Agosto de 2024, na praça em frente ao Santuário de Nossa Senhora das Sete Dores, em Šaštin. A celebração foi presidida pelo Cardeal Semeraro, em nome do Papa Francisco.
A memória litúrgica do Beato João Havlík é celebrada no dia 12 de Fevereiro, dia do seu aniversário natalício.