- da Homilia de D. Manuel Clemente, Bispo
do Porto, no dia 1 de Janeiro de 2013, na Sé Portucalense
“…Que oportunidade, irmãos,
que responsabilidade tamanha, se verdadeiramente procuramos a paz! Estando Deus
aí mesmo, na vida em gestação, dentro ou já fora do ventre materno, como se
torna prioritária a promoção e salvaguarda de cada vida humana, no arco total
da sua existência terrena! A fragilidade da vida uterina ou a fraqueza e
enfermidade que a atinjam depois, são outros tantos apelos a que acorramos
céleres – como os pastores do Evangelho – ao seu cuidado preciso, solidário e
eficaz. Qualquer hesitação neste ponto, qualquer amolecimento cultural ou legal
em relação a ele, é absolutamente um atentado à paz. À paz das consciências,
que, quanto a isto, nunca adormecerão tranquilas, antes somarão pesadelos; e à
paz das famílias e de sociedades inteiras, se contemporizarem com qualquer tipo
de anti natalismo ou reducionismo existencial. A tão mencionada “qualidade de
vida”, deve significar, antes de mais, o reconhecimento da qualidade que ela
essencialmente tem e sempre conserva, mesmo quando física ou mentalmente
atingida. A paz – enquanto harmonia íntima e global de tudo quanto representa a
verdade das coisas, começando pela verdade das pessoas – é obra e fruto da
justiça, que nos manda dar a cada um o que lhe é devido e pertence. E a vida é
a primeiríssima pertença de cada ser humano.
Também aqui não havemos de
ter medo, nem de nos sentirmos esmagados por uma responsabilidade aparentemente
incomportável, face à insensibilidade de outros em relação a este ponto
fundamental. Quando o cristianismo nasceu, no Menino do Presépio, toda a
grandeza do céu era pequeníssima na terra, e em grande contraste com o que se
fazia naquele imponente Império Romano, no respeitante à vida humana. A
escravatura era uma realidade geral e aceite; o aborto prática corrente; e o próprio
bebé já nascido estava sujeito à vontade paterna, para continuar ou não a
viver… Alguma reflexão filosófica, como a dos estoicos, já criticava estas
últimas práticas; mas foi, inegavelmente foi, a progressiva expansão evangélica
nas inteligências e nos costumes que, pouco a pouco, conseguiu modificar
positivamente as coisas, na legislação inclusive. É por isso muito estranho que
alguém se lembre de apresentar hoje em dia como “progressos civilizacionais”
autênticas regressões de dois mil anos, desprotegendo a vida em todo seu verdadeiro
percurso, pré e pós natal. Sobretudo, quando a ciência nos demonstra agora, com
toda a evidência, o desenvolvimento duma mesma vida desde o momento da sua
conceção. - Há muito o faz a liturgia cristã, celebrando a Anunciação do Senhor
em cada 25 de Março, nove meses precisos antes do seu Natal!
Não tenhamos receio de,
também neste ponto, «confessarmos Cristo como Senhor, sempre dispostos a dar a
razão da nossa esperança a todo aquele que no-la peça; com mansidão e respeito…»
(cf. 1 Pe 3, 15). Ofereçamo-la mesmo a quem não a peça ainda, certos como
estamos de que a verdade que nos chama a nós também chama a todos, como os
pastores o foram ao pleno presépio de Cristo. Façamo-lo com atitudes concretas
de salvaguarda e protecção da vida, respondendo da melhor maneira aos casos que
surjam e apoiando todas as iniciativas nesse sentido, como já existem e hão-de
aumentar na nossa sociedade.
Há aqui muita urgência,
semelhante à pressa com que os pastores acorreram ao pobre lugar onde Deus
nascia no mundo. E convençamo-nos da verdade sempre comprovada: a decisão certa
que tomamos hoje abre o amanhã que Deus nos oferece. Também aqui poderíamos
aplicar a passagem bíblica: «Como deve ser santa a vossa vida e a vossa
piedade, enquanto esperais e apressais a chegada do dia de Deus; […] nós
esperamos uns novos céus e uma nova terra, onde habita a justiça» ( 2 Pe 3,
11-13).