BEATO
VLADIMIR GHIKA
Vladimir Ghika nasceu no dia 25 de dezembro de 1873,
em Constantinopla (hoje, Istanbul, na Turquia). Era filho dos príncipes
reinantes da Moldávia na actual Roménia. Apesar de ser de origem principesca,
desejou, sempre, ocupar o lugar mais humilde no meio dos homens.
Jovem ainda, foi enviado para França para, ali,
realizar os seus estudos: primeiro em Toulouse e, depois, em Paris, tendo
frequentado os cursos da Escola de Ciências Políticas.
Educado na religião ortodoxa, a sua alma,
profundamente fervorosa, não encontrava, na fé dos seus antepassados, o
alimento que correspondesse aos seus desejos, nem o socorro espiritual que
desejava. Vladimir vivia a permanente inquietação da procura da unidade entre
os cristãos, que somente o Primado de Pedro podia realizar. Guiado pela mão do
Cardeal Mathieu, então Arcebispo de Toulouse, compreendeu que a unidade só
seria possível com o retorno à comunhão com a Igreja Católica Romana. Então, Vladimir,
para encontrar a plena luz e a paz da sua alma, tornou-se católico.
Após estudos brilhantes, possuindo licenciaturas em
Direito e em Filosofia, obteve o seu doutorado em Teologia e decidiu seguir o
caminho do sacerdócio e fazer-se monge ou eremita. O Papa Pio X, que o conhecia
muito bem, dissuadiu-o de tal. No seu sobrenatural conhecimento dos homens, o
Papa entendia que Vladimir Ghika devia ficar no mundo, para que a sua acção,
realçada pelo prestígio das suas origens, ajudasse a reconduzir os seus irmãos
à Igreja Romana.
A caridade guiou toda a sua existência. Foi assim que,
em 1904, quando permaneceu em casa do seu irmão, Cônsul Geral da Roménia em
Salónica, dedicou-se ao cuidado dos doentes do hospital dirigido por uma admirável
filha de S. Vicente de Paulo: irmã Pucci.
Tendo voltado a Bucareste, chamou a irmã Pucci para fundar
a Casa das Filhas da Caridade, que se tornou, em seguida, um grande centro
médico.
Foi ainda em colaboração com a irmã Pucci que o
príncipe Ghika organizou o lazareto para as vítimas da cólera, durante campanha
de 1913, quando a Bulgária entrou em guerra contra os Sérvios e os Gregos.
A influência de Vladimir Ghika foi aumentando cada vez
mais nos meios políticos, literários e religiosos do seu país, em movimentos
para os quais era procurado por motivo das suas grandes qualidades. Procurava
cumprir, com generosidade, a disponibilidade e o serviço por amor, como tinha
escrito São Paulo: "Ser tudo para todos".
A primeira guerra mundial permitiu-lhe viver, em
situações tão complicadas, o seu incansável amor aos seus irmãos em aflição.
Os anos foram passando mas não o demoveram do seu
ardente desejo de tornar-se padre de Jesus Cristo.
Em 1922, voltou a Paris, onde o seu irmão representava
a Roménia. Voltou impelido pela sua afeição pela França, onde tinha passado a
maior parte da sua mocidade e que ele considerava como a sua segunda pátria. Foi
viver na Abadia Beneditina, da Rua de la Source.
Em 1923, por licença especial do Papa Pio XI, com a
idade de cinquenta anos, foi ordenado sacerdote, para o qual estava
admiravelmente preparado pela sua vasta cultura, pela sua santidade de sua vida
e pelos excepcionais que manifestavam a marca da escolha divina.
Começou, então, para Vladimir uma experiência única: ao
mesmo tempo, obscura e faiscante, miserável e sumptuosa, lamentável e
esplêndida.
Para se dedicar, mais inteiramente, a Deus e aos
pobres, o Padre Ghika prescindiu da sua parte do património familiar. Assim
"desembaraçado", incansavelmente consagrou-se a um apostolado, que
encontrará a sua fonte no aniquilamento de si mesmo ao serviço de todos.
O seu amor às almas, cuja elevação e salvação eram
motivo da sua preocupação constante; a sua afeição aos infelizes são tão
intensos que lhe sugerem a mais sublime epopeia. Entregou-se inteiramente a
Deus para ser um instrumento dócil nas mãos do seu Criador, justificando um de
seus "Pensamentos": "Não tentes fazer de ti uma obra-prima, mas
um instrumento de felicidade".
Foi viver para Villejuif, em plena "zona
vermelha", numa estranha barraca; construiu uma capela, comparável ao estábulo
de Belém, na qual colocou Cristo ao alcance de todos. Na parte mais pequena da
barraca, tornada habitação real pela presença divina, uma prancha móvel, fixada
na parede servia-lhe de leito; para preparar a sua magra alimentação, dispõe de
um fogareiro a querosene... Ali, ele passou as noites mais rigorosas do
inverno, sem aquecimento, e dizia ingenuamente: "O mais difícil é, de
manhã, retirar, das pestanas, o gelo que as congela, a fim de poder abrir as
pálpebras..."
Os primeiros contactos foram e férteis em choques. Mas
a sua doçura, a sua ternura, o seu heroísmo, a sua grande simplicidade, bem
como o seu delicioso sorriso acabaram por realizar transformações,
metamorfoses, reviravoltas que abriram o coração das gentes à maravilha de Deus
e da Sua graça.
Os benefícios espirituais espalharam-se, sobretudo,
pelos jovens refugiados arménios, polacos, italianos, bem como sobre os
trapeiros e os "maus rapazes", de quem se fez próximo e amigo.
Um príncipe, que renunciara às dignidades humanas e às
suas honras, vivia uma vida mais do que miserável, oferecendo alegremente a
Deus as suas preces, as suas penitências, os seus sacrifícios, para a conversão
dos seus irmãos separados.
Tudo isto teve de abandonar, ficando-lhe um sentimento
de aflição. Com efeito, Mons. Verdier, então Arcebispo de Paris, confiou-lhe a
reitoria da Igreja dos Estrangeiros, na Rua de Sèvres.
Depois da experiência de vida entre os mais pobres dos
pobres, o Padre Vladimir Ghika deveria, agora, frequentar a alta sociedade,
rever aqueles de quem quisera fugir, reatar contacto com as pessoas susceptíveis
de auxiliá-lo na sua nova tarefa: Jacques Maritain, Paul Claudel, Fraçois
Mauriac, Henry Bordeaux, Francis James, Zeller.
E, apesar da sua resolução de passar despercebido, foi
elevado, pelo Papa Pio XI, à dignidade de Protonotário Apostólico.
Monsenhor Ghika realizou, então, diversas missões
internacionais; foi recebido pelo imperador do Japão, nos anos 30, e contribuiu
para a criação e edificação do primeiro Carmelo japonês; em seguida, na
qualidade de membro das Comissões Directoras, tomou parte nos Congressos Eucarísticos
internacionais de Buenos Aires, de Manilha e de Budapeste.
Encontrando-se em Paris, pregou a quaresma na Abadia
Santa Maria, onde passou horas a rezar diante do altar da Virgem ou ao pé do
altar portátil, em adoração durante toda a noite de Quinta ou Sexta-feira
Santa, conformando-se, dizia ele, ao puro costume do Oriente.
Durante o verão de 1939, foi à Roménia visitar os
membros da sua família, de que se afeiçoara com uma ternura engrandecida, ainda
mais, pelo Amor Divino.
Transtornado pelo espectáculo da miséria dos
refugiados polacos, com licença do Cardeal Suhard, então Arcebispo de Paris,
foi-lhe permitido permanecer na Roménia para aliviar – como outrora na zona
parisiense - a multidão das almas desamparadas, às quais prodigalizava os
socorros do Espírito e os do corpo.
A segunda guerra mundial permitiu-lhe estender o seu
campo de acção em Bucareste, multiplicando as suas intervenções junto dos
poderes públicos, em favor dos prisioneiros; prestou uma atenção especial aos estudantes,
para os quais realizou conferências, pregou retiros na Igreja romena de rito
bizantino, da Rua de Pologne.
Muitos desses estudantes, expulsos pelas perseguições
soviéticas e agora exilados, lembram-se do seu encanto distinto, da sua delicada
compreensão das necessidades de cada um, da sua doçura espiritual que
caracterizava esses encontros.
Quando, em 1944, Bucareste, começaram os
bombardeamentos, que fizeram milhares de vítimas, recusou-se a deixar a cidade,
para não deixar de prestar o conforto da caridade àqueles que a adversidade
feria. Esta sua dedicação levá-lo-ia ao maior e mais belo sacrifício, que é o
de dar a sua vida por aqueles a quem se amava...
Em 1948, os comunistas apoderaram-se da Roménia, onde
instauraram um regime de terror. Monsenhor Ghika encontrava-se no meio dos seus
irmãos ameaçados. E, quando o seu irmão quis levá-lo para Paris, Monsenhor
Ghika recusou e preferiu ficar onde estavam aqueles que sofriam; previa que o
sofrimento iria exigir o sacrifício total. Adivinhava as infelicidades que
iriam abater-se sobre a sua Pátria e o encarniçamento que o usurpador ia
desenvolver para subjugar os espíritos e esmagar as almas.
"Sem a presença de Monsenhor Ghika, que seria de
nós?" – repetia-se. E as conversões ao catolicismo multiplicavam-se.
Até 1952, exerceu as funções de capelão das Irmãs de
S. Vicente de Paulo, celebrando ostensivamente a missa todos os dias, para, em
seguida, se dedicar aos doentes, aos perseguidos, aos infelizes, confortando,
convertendo, baptizando, apesar da apertada vigilância e do rigoroso controlo
dos milicianos comunistas, que observavam cada gesto do incansável homem de
Deus.
Os comunistas tomaram medidas para pôr fim à sua actividade.
Colocado, primeiramente, em residência vigiada, consolidando o respeito dos
seus carcereiros, foi solto em razão da sua idade avançada: acabava de
completar 78 anos.
Depois, foi preso por causa de um incidente tão
estranho quanto típico dos métodos de certo sovietismo: na rua, Monsenhor Ghika
aguardava que fosse dada passagem aos pedestres. O polícia de serviço, que se apercebera
do seu cansaço, olhando para a sua pobre batina surrada, para a sua estatura
curvada, para a sua barba e os seus cabelos brancos, tomou-o pelo braço e,
conduzindo-o ao passeio oposto, pediu-lhe sua bênção...
Não foi revelado o que custou a este homem aquele acto
de coragem; mas a cena não passou despercebida a certos espectadores, animados
de outra coragem, que se apressaram a denunciá-la aos senhores do momento.
Monsenhor Ghika, preso a 18 de Novembro de 1952, sob a
acusação de “alta traição”, foi condenado a 3 anos de prisão, mas só resistiu
dois. Ameaçado, espancado e torturado, apesar da idade, morreu no dia 16 de
Maio de 1954, mantendo-se sempre fiel a Cristo, à Igreja e ao Papa. Tinha 80
anos.
O Padre Vladimir, que nasceu num palácio, morreu no
calabouço de uma prisão soviética, vítima de vingança e de um requintado ódio à
Fé. Os seus últimos momentos foram completamente ignorados. A notícia da sua morte
só chegou ao conhecimento dos seus parentes alguns meses depois.
A sua vida foi um testemunho da caridade evangélica,
realçada pela coroa do martírio, que esta prece, extraída do seu livro "Pensamentos",
já pressentia:
"Mortos e poeiras, bendizei o Senhor,
Minha morte, bendiz o Senhor,
Meu alimento, bendiz o Senhor!
Coisas que nascerão de mim
quando eu não for mais deste mundo, bendizei o Senhor,
Silêncio em torno da minha memória,
bendiz, tu também, o Senhor...
Minh’alma, minh’alma que nunca deverás morrer,
grita a tua eternidade já começada,
bendizendo, desde esta hora, eternamente, o
Senhor!"
O Padre Vladimir Ghika foi reconhecido como mártir da
fé católica. Foi beatificado pelo Papa Francisco, em 31 de Agosto de 2013, numa
celebração realizada em Bucareste, na Roménia, presidida, em seu nome, pelo
Cardeal Ângelo Amato, Prefeito da Congregação para as Causas dos Santos.
Participaram nesta missa: numerosos familiares do P. Ghika; mais de 8.000 fiéis;
o Cardeal André Vingt-Trois, de Paris; o Arcebispo Ion Robu, de Bucareste e muitos
outros Bispos vindos da Europa Central e do Leste.
A sua memória litúrgica celebra-se no dia 16 de Maio.