- Homilia do Papa, na
Basílica de São Paulo Extramuros – Roma, no dia 25 de Janeiro, festa da
Conversão de São Paulo e termo da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos
O encontro com Jesus na estrada para
Damasco transforma radicalmente a vida de Paulo. A partir de então, para ele, o
sentido da existência já não está em confiar nas próprias forças para observar
escrupulosamente a Lei, mas em aderir com todo o seu ser ao amor gratuito e
imerecido de Deus, a Jesus Cristo crucificado e ressuscitado. Conhece, assim, a
irrupção duma vida nova, a vida segundo o Espírito, na qual, pelo poder do
Senhor ressuscitado, experimenta perdão, confidência e conforto. E Paulo não
pode guardar para si mesmo esta novidade: é impelido pela graça a proclamar a feliz
notícia do amor e da reconciliação que Deus oferece plenamente em Cristo à
humanidade.
Para o Apóstolo dos Gentios, a
reconciliação do homem com Deus, da qual foi feito embaixador (cf. 2 Cor 5,
20), é um dom que vem de Cristo. Vê-se isto claramente no texto da II Carta aos
Coríntios, onde se foi buscar, este ano, o tema da Semana de Oração pela
Unidade dos Cristãos: «O amor de Cristo impele-nos para a reconciliação» (cf. 2
Cor 5, 14-20). «O amor de Cristo»: não se trata do nosso amor por Cristo, mas do
amor que Cristo tem por nós. Da mesma forma, a reconciliação para a qual somos
impelidos não é simplesmente iniciativa nossa: é primariamente a reconciliação
que Deus nos oferece em Cristo. Antes de ser esforço humano de crentes que
procuram superar as suas divisões, é um dom gratuito de Deus. Como resultado
deste dom, a pessoa perdoada e amada é chamada, por sua vez, a proclamar o
evangelho da reconciliação em palavras e obras, a viver e dar testemunho duma
existência reconciliada.
Nesta perspectiva, podemos hoje
perguntar-nos: Como é possível proclamar este evangelho de reconciliação depois
de séculos de divisões? O próprio Paulo nos ajuda a encontrar o caminho. Ele
sublinha que a reconciliação em Cristo não se pode realizar sem sacrifício.
Jesus deu a sua vida, morrendo por todos. De modo semelhante os embaixadores de
reconciliação, em seu nome, são chamados a dar a vida, a não viver mais para si
mesmos, mas para Aquele que morreu e ressuscitou por eles (cf. 2 Cor 5, 14-15).
Como ensina Jesus, só quando perdemos a vida por amor d’Ele é que
verdadeiramente a temos ganha (cf. Lc 9, 24). É a revolução que Paulo viveu,
mas é também a revolução cristã de sempre: deixar de viver para nós mesmos,
buscando os nossos interesses e promoção da nossa imagem, mas reproduzir a
imagem de Cristo, vivendo para Ele e de acordo com Ele, com o seu amor e no seu
amor.
Para a Igreja, para cada Confissão Cristã,
é um convite a não se basear em programas, cálculos e benefícios, a não se
abandonar a oportunidades e modas passageiras, mas a procurar o caminho com o
olhar sempre fixo na cruz do Senhor: lá está o nosso programa de vida. É um
convite também a sair de todo o isolamento, a superar a tentação da
autorreferência, que impede de individuar aquilo que o Espírito Santo realiza fora
do nosso próprio espaço. Poderá realizar-se uma autêntica reconciliação entre
os cristãos, quando soubermos reconhecer os dons uns dos outros e formos
capazes, com humildade e docilidade, de aprender uns dos outros – aprender uns
dos outros –, sem esperar que primeiro sejam os outros a aprender de nós.
Se vivermos este morrer para nós mesmos
por amor de Jesus, o nosso estilo velho de vida é relegado para o passado e,
como aconteceu a São Paulo, entramos numa nova forma de existência e comunhão.
Com Paulo, poderemos dizer: «O que era antigo passou» (2 Cor 5, 17). Olhar para
trás é útil e muito necessário para purificar a memória, mas fixar-se no
passado, delongando-se a lembrar as injustiças sofridas e cometidas e julgando
com parâmetros apenas humanos, pode paralisar e impedir de viver o presente. A
Palavra de Deus encoraja-nos a tirar força da memória, a recordar o bem
recebido do Senhor; mas pede-nos também que deixemos o passado para trás a fim
de seguir Jesus no presente e, n’Ele, viver uma vida nova. Àquele que renova
todas as coisas (cf. Ap 21, 5), consintamos-Lhe de nos orientar para um futuro
novo, aberto à esperança que não desilude, um futuro onde será possível superar
as divisões e os crentes, renovados no amor, encontrar-se-ão plena e visivelmente
unidos.
Enquanto avançamos pelo caminho da
unidade, recordamos este ano de modo particular o quinto centenário da Reforma
Protestante. O facto de católicos e luteranos poderem hoje recordar, juntos, um
evento que dividiu os cristãos e de o fazerem com a esperança posta sobretudo
em Jesus e na sua obra de reconciliação, constitui um marco significativo,
alcançado – graças a Deus e à oração – através de cinquenta anos de mútuo
conhecimento e de diálogo ecuménico.
Implorando de Deus o dom da reconciliação
com Ele e entre nós, dirijo as minhas cordiais e fraternas saudações a Sua
Eminência o Metropolita Gennadios, representante do Patriarcado Ecuménico, a
Sua Graça David Moxon, representante pessoal em Roma do Arcebispo de Cantuária,
e a todos os representantes das diversas Igrejas e Comunidades eclesiais aqui
reunidos. Saúdo com particular alegria os membros da Comissão Mista para o
Diálogo Teológico entre a Igreja Católica e as Igrejas Ortodoxas Orientais, a
quem desejo um fecundo trabalho na Sessão Plenária que se desenrola nestes
dias. Saúdo também os alunos do Instituto Ecuménico de Bossey – vi-os esta
manhã muito contentes –, que visitam Roma para aprofundar o seu conhecimento da
Igreja Católica, e os jovens ortodoxos e todos os ortodoxos orientais que estudam
em Roma, graças às bolsas de estudo do Comité de Colaboração Cultural com as
Igrejas Ortodoxas, sediado no Conselho Pontifício para a Promoção da Unidade
dos Cristãos. Aos Superiores e a todos os Colaboradores deste Dicastério,
exprimo a minha estima e gratidão.
Amados irmãos e irmãs, a nossa oração pela
unidade dos cristãos é participação na oração que Jesus dirigiu ao Pai, antes
da Paixão, «para que todos sejam um só» (Jo 17, 21). Nunca nos cansemos de
pedir a Deus este dom. Na expectativa paciente e confiada de que o Pai conceda
a todos os crentes o bem da plena comunhão visível, prossigamos o nosso caminho
de reconciliação e diálogo, encorajados pelo testemunho heroico de tantos
irmãos e irmãs, de ontem e de hoje, unidos no sofrimento pelo nome de Jesus.
Aproveitemos todas as oportunidades que a Providência nos oferece para rezar
juntos, anunciar juntos, amar e servir juntos sobretudo quem é mais pobre e
negligenciado. (cf. Santa Sé)