- na Homilia da Solenidade
da Epifania do Senhor, em Roma, no dia 6 de Janeiro
«Onde está o Rei dos judeus que acaba de
nascer? Vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-Lo» (Mt 2, 2).
Com estas palavras, os Magos, que vieram
de terras distantes, dão-nos a conhecer o motivo da sua longa caminhada: adorar
o Rei recém-nascido. Ver e adorar são duas acções que sobressaem na narração
evangélica: vimos uma estrela e queremos adorar.
Estes homens viram uma estrela, que os pôs
em movimento. A descoberta de algo inusual, que aconteceu no céu, desencadeou
uma série inumerável de acontecimentos. Não era uma estrela que brilhou
exclusivamente para eles, nem possuíam um ADN especial para a descobrir. Como
justamente reconheceu um Padre da Igreja, os Magos não se puseram a caminho
porque tinham visto a estrela, mas viram a estrela porque se tinham posto a
caminho (cf. João Crisóstomo). Mantinham o coração fixo no horizonte, podendo
assim ver aquilo que lhes mostrava o céu, porque havia neles um desejo que a
tal os impelia: estavam abertos a uma novidade.
Os Magos dão-nos, assim, o retrato da
pessoa crente, da pessoa que tem saudades de Deus; o retrato de quem sente a
falta da sua casa: a pátria celeste. Reflectem a imagem de todos os seres humanos
que não deixaram, na sua vida, anestesiar o próprio coração.
Esta saudade santa de Deus brota no
coração crente, porque sabe que o Evangelho não é um acontecimento do passado,
mas do presente. A saudade santa de Deus permite-nos manter os olhos abertos
contra todas as tentativas de restringir e empobrecer a vida. A saudade santa
de Deus é a memória crente que se rebela contra tantos profetas da desgraça. É
esta saudade que mantém viva a esperança da comunidade crente que implora,
semana após semana, com estas palavras: «Vinde, Senhor Jesus!»
Era precisamente esta saudade que impelia
o velho Simeão a ir ao Templo todos os dias, tendo a certeza de que a sua vida
não acabaria sem ter nos braços o Salvador. Foi esta saudade que impeliu o
filho pródigo a sair duma conduta autodestrutiva e procurar os braços do seu
pai. Era esta saudade que sentia no seu coração o pastor, quando deixou as
noventa e nove ovelhas para ir à procura da que se extraviara. E foi também o
que sentiu Maria Madalena, na madrugada do Domingo de Páscoa, fazendo-a correr
até ao sepulcro e encontrar o seu Mestre ressuscitado. A saudade de Deus
tira-nos para fora dos nossos recintos deterministas, que nos induzem a pensar
que nada pode mudar. A saudade de Deus é a disposição que rompe com inertes
conformismos, impelindo a empenhar-nos na mudança que anelamos e precisamos. A saudade
de Deus tem as suas raízes no passado, mas não se detém lá: vai à procura do
futuro. Impelido pela sua fé, o crente «saudoso» vai à procura de Deus, como os
Magos, nos lugares mais recônditos da história, pois está seguro, no seu
coração, de que lá o espera o Senhor. Vai à periferia, à fronteira, aos lugares
não evangelizados, para poder encontrar-se com o seu Senhor; e não o faz,
seguramente, numa atitude de superioridade, mas como um mendigo que se dirige a
alguém aos olhos de quem a Boa Nova é um terreno ainda a explorar.
Entretanto no palácio de Herodes que
distava poucos quilómetros de Belém, animados de procedimento oposto, não se
tinham apercebido do que estava a acontecer. Enquanto os Magos caminhavam,
Jerusalém dormia; dormia em conluio com Herodes que, em vez de andar à procura,
dormia também. Dormia sob a anestesia duma consciência cauterizada. E ficou
perturbado; teve medo. É aquela perturbação que leva a pessoa, à vista da
novidade que revoluciona a história, a fechar-se em si mesma, nos seus
resultados, nos seus conhecimentos, nos seus sucessos. A perturbação de quem
repousa na riqueza, incapaz de ver mais além. É a perturbação que nasce no
coração de quem quer controlar tudo e todos; uma perturbação própria de quem
vive imerso na cultura que impõe vencer a todo o custo, na cultura onde só há
espaço para os «vencedores» e a qualquer preço. Uma perturbação que nasce do
medo e do temor face àquilo que nos interpela, pondo em risco as nossas
seguranças e verdades, o nosso modo de nos apegarmos ao mundo e à vida. E assim
Herodes teve medo, e aquele medo levou-o a procurar segurança no crime: «Necas
parvulos corpore, quia te necat timor in corde – matas o corpo das crianças,
porque o temor te matou o coração» (São Quodvultdeus, Sermo 2 de Symbolo: PL
40, 655).
Queremos adorar. Aqueles homens vieram do
Oriente para adorar, decididos a fazê-lo no lugar próprio de um rei: no
Palácio. E isto é importante: aqui chegaram eles com a sua busca; era o lugar
idóneo, porque é próprio de um rei nascer num palácio, ter a sua corte e os
seus súditos. É sinal de poder, de êxito, de vida bem-sucedida. E pode-se
esperar que o rei seja reverenciado, temido e lisonjeado; mas não necessariamente
amado. Estes são os esquemas mundanos, os pequenos ídolos a quem prestamos
culto: o culto do poder, da aparência e da superioridade. Ídolos que prometem
apenas tristeza, escravidão, medo.
E foi lá, precisamente, onde começou o
caminho mais longo que tiveram de fazer aqueles homens vindos de longe. Lá,
teve início a ousadia mais difícil e complicada: descobrir que não se
encontrava no Palácio aquilo que procuravam, mas estava noutro lugar: e não só
geográfico, mas também existencial. Lá, não vêem a estrela que os levava a
descobrir um Deus que quer ser amado, e isto só é possível sob o signo da
liberdade e não da tirania; descobrir que o olhar deste Rei desconhecido – mas
desejado – não humilha, não escraviza, não aprisiona. Descobrir que o olhar de
Deus levanta, perdoa, cura. Descobrir que Deus quis nascer onde não o
esperávamos, onde talvez não o quiséssemos; ou onde muitas vezes o negamos.
Descobrir que, no olhar de Deus, há lugar para os feridos, os cansados, os
maltratados, os abandonados: que a sua força e o seu poder se chamam
misericórdia. Como é distante, para alguns, Jerusalém de Belém!
Herodes não pode adorar, porque não quis
nem pôde mudar o seu olhar. Não quis deixar de prestar culto a si mesmo,
pensando que tudo começava e terminava nele. Não pôde adorar, porque o seu objectivo
era que o adorassem a ele. Nem sequer os sacerdotes puderam adorar, porque
sabiam muito, conheciam as profecias, mas não estavam dispostos a caminhar nem
a mudar.
Os Magos sentiram saudade, não queriam
mais as coisas usuais. Estavam habituados, dominados e cansados dos Herodes do
seu tempo. Mas lá, em Belém, havia uma promessa de novidade, uma promessa de
gratuidade. Lá, estava a acontecer algo de novo. Os Magos puderam adorar,
porque tiveram a coragem de caminhar e, prostrando-se diante do pequenino,
prostrando-se diante do pobre, prostrando-se diante do inerme, prostrando-se
diante do insólito e desconhecido Menino de Belém, descobriram a Glória de
Deus. (cf. Santa Sé)
