SANTO
HILÁRIO DE POITIERS
Hilário era oriundo de uma das mais distintas famílias
da Província da Aquitânia, tendo nascido em Poitiers (França) no início do
século IV, por volta do ano 310. Os seus pais eram pagãos e educaram-no nas
ciências da antiga Grécia e de Roma, e em todas as práticas da vida pagã. Mas,
o jovem Hilário, dotado de grandes capacidades intelectuais, não se contentava com
as superstições ridículas do paganismo. Ele próprio escreveu sobre o que se
passou na sua alma: “… A vida presente,
não sendo senão uma sequência de misérias, pareceu-me que a havíamos recebido para
exercer a paciência, a moderação, a doçura; e que Deus, todo bondade, não nos
havia dado a vida para nos tornar mais miseráveis no-la tirando. A minha alma
quería, com ardor, conhecer esse Deus, autor de todo o bem, porque eu via
claramente o absurdo de tudo o que os pagãos ensinam quanto à divindade,
dividindo-a em muitas pessoas de um e de outro sexo, atribuindo-a a animais, a
estátuas e a outros objectos insensíveis. Reconheci que não podia haver senão
um só Deus, eterno, todo-poderoso, e imutável”.
Na procura da verdade, caíram-lhe nas mãos as Sagradas
Escrituras, que ele devorou com sofreguidão. A leitura do Evangelho de São
João, em que este explica que o Verbo era Deus e estava em Deus, e que se fez
carne e habitou entre nós, acabou por tirar-lhe qualquer dúvida a respeito da
verdade. Pediu, então, o baptismo, por volta do ano 345, e começou uma carreira
de gigante. A filosofia pagã serviu-lhe de base para estudar, profundamente,
quer a filosofia, quer a teologia dogmática e a sã doutrina da Igreja.
Casou com uma mulher de raro mérito e de virtudes
extraordinárias, que compartilhava com ele todos os seus anseios e esperanças.
Tiveram uma filha, de nome ‘Abre’. Seguindo o exemplo dos seus pais e acolhendo
os seus ensinamentos, Abre cresceu na piedade e na virtude.
Vagando a Sé de Poitiers, os sacerdotes e os fiéis
escolheram Hilário para seu pastor - como era costume da época - que já dava
exemplo da mais lídima virtude. De comum acordo, separou-se, então, da mulher e
da filha para servir só a Deus. Foi, então, ordenado sacerdote e sagrado Bispo.
Para Hilário, ser Bispo não era somente uma dignidade
mas, sobretudo, um contínuo sacrifício. Costumava dizer: “O Bispo deve ser ‘um príncipe perfeito da Igreja e deve possuir, na
perfeição, as mais eminentes virtudes. Num bispo, a inocência de vida não é
suficiente sem a ciência; e, sem a santidade, a maior ciência não basta. Com
efeito, como ele é instituído para a utilidade dos outros, de que lhe servirá
esta, se ele não instrui? E não serão estéreis as suas instruções, se não são
conformes à sua vida?’ …”
Naquela época tão conturbada, para ele um dos
principais deveres era manter íntegro o depósito da fé e defender a sua pureza
contra a corrupção das heresias. O arianismo – heresia que negava o dogma da
Santíssima Trindade, afirmando que só Deus Pai era Deus - estava a causar
grandes devastações no rebanho de Jesus Cristo, tornando-se a pior heresia que
atingiu a Igreja dos primeiros séculos. O mais grave, ainda, foi que tal
heresia conquistou o Imperador Constâncio, filho de Constantino, tendo neste
homem fraco, mas despótico, o seu maior apoiante. Com este apoio, o arianismo
infectou praticamente todo o Oriente e procurou, depois, lançar os seus tentáculos
sobre o Ocidente.
Dois concílios, convocados por dois Bispos adeptos da
heresia - Saturnino de Arles, Metropolita das Gálias, e Maxêncio de Milão -
voltaram a condenar Santo Atanásio, Bispo de Alexandria e o maior baluarte, no
Oriente, da ortodoxia contra a infecta heresia. Além da condenação, tais
concílios baniram-no da sua diocese.
O Bispo Hilário não participou desses concílios e
dedicou-se a organizar a resistência dos Bispos católicos do Ocidente, que
mostraram muito mais coragem nessa luta do que os do Oriente: proclamaram a
inocência de Atanásio e excomungaram os bispos arianos e semi-arianos; enviaram
uma delegação ao Imperador, pedindo que os Bispos exilados por causa da fé
fossem reenviados às suas dioceses, e que, a partir de então, a autoridade
secular não mais interviesse em matéria puramente espiritual.
Assim pressionado, Constâncio autorizou o Bispo Atanásio
a retornar à sua diocese. Mas, os líderes arianos voltaram à carga, convencendo
o Imperador de que o valoroso Bispo de Poitiers, defendendo a verdadeira
Igreja, atacava o Império. Constâncio convocou, então, um novo concílio em
Béziers, no qual, além de reconfirmar o exílio de Santo Atanásio, os Prelados
arianos depuseram, também, Hilário e obtiveram do Imperador que ele fosse
exilado juntamente com São Ródano, para a Frígia, na Ásia Menor.
Mas, o tiro saiu-lhes pela culatra, pois com esse
exílio, o maior inimigo do arianismo, no Ocidente, foi enviado para combatê-lo
no seu próprio meio: o Oriente. O Bispo Hilário, sem deixar de manter
correspondência com os Bispos fiéis da Gália, correspondia-se, também, por meio
de cartas com a sua diocese. Ao mesmo tempo, escrevia obras refutando a heresia
ariana e contra ela trabalhava, constantemente.
Em Constantinopla, Hilário escreveu ao Imperador: “Passou o tempo de estar calado; os mercenários
fugiram e o Pastor tem de levantar a voz. Toda a gente sabe que, desde que
estou proscrito, nunca deixei de confessar a fé, mas sem recusar nenhum meio
aceitável e honroso de restabelecer a paz... Agora combatemos contra um
perseguidor disfarçado, contra um inimigo que afaga, contra o anticristo
Constâncio. Não nos condena a fim de nos fazer nascer para a vida, mas
enriquece-nos para nos levar à morte. Não nos encarcera numa prisão para nos tornar
livres, mas honra-nos no seu palácio para escravizar-nos. Não nos corta a
cabeça com a espada, mas mata a nossa alma com o ouro. Não nos ameaça com a
fogueira, mas acende secretamente o fogo do Inferno. Reprime a heresia para não
haver cristãos; honra os sacerdotes para não haver Bispos; edifica igrejas para
demolir a fé... Mas eu declaro-te, ó Constâncio, o que teria dito a Nero, a
Décio e a Maximiano: combates contra Deus; levantas-te contra a sua Igreja;
persegues os Santos; és tirano, não das coisas humanas, mas das divinas”
Enfim, foi tanto o prejuízo que Hilário causou aos
arianos do Oriente, que estes convenceram o Imperador a mandá-lo de volta para
a sua diocese, onde acreditavam que ele lhes seria menos prejudicial.
Martinho de Tours, que já era seu discípulo, foi
encontrar-se com Hilário, em Roma, para acompanhá-lo no seu regresso. A alegria
de todos os católicos na Gália foi enorme. Escreveu São Jerónimo: “Foi então
que a França abraçou o seu grande Hilário, voltando vitorioso da derrota dos
hereges” .
Deus fez brilhar ainda mais a glória do seu servo ao
conceder-lhe o dom de realizar inúmeros milagres. Um deles refere-se ao
verdadeiro amor paterno. Olhando a sua filha adolescente, pura e desapegada das
coisas da terra, pediu a Deus que, se ela houvesse um dia de manchar a sua
túnica baptismal, Ele a levasse antes para Si. O pedido foi aceite quase
imediatamente. Abra faleceu docemente nos braços do pai e é hoje invocada como
santa, na cidade de Poitiers.
Depois de ter restabelecido o catolicismo nas Gálias, Hilário
passou à Itália, para a livrar desse flagelo do arianismo. Foi auxiliado nessa
tarefa por Eusébio de Verceil e Filastro de Brescia. Combatendo os erros do
Bispo Maxêncio, na sua própria cidade episcopal - Milão - este pediu ao
Imperador Valentiniano que o expulsasse de lá.
Voltando a Poitiers, entregou-se, de corpo e alma, à
instrução dos seus diocesanos. Recebeu de braços abertos Bento, Bispo da
Samaria, e 40 discípulos seus, expulsos da Palestina pelos arianos. Estes monges
fundaram a Abadia de São Bento de Quincey.
Hilário morreu no ano de 367, com fama de Santo, sendo
canonizado pelo povo, que o invocava nas suas orações. O Papa Pio IX -
recentemente beatificado - declarou-o Doutor da Igreja.
A sua memória litúrgica celebra-se no dia 13 de
Janeiro.
