- na Audiência-Geral, na Praça
de São Pedro – Roma, no dia 1 de Março
Bom dia, amados irmãos e irmãs!
Neste dia, Quarta-Feira de Cinzas, entramos
no tempo litúrgico da Quaresma. E dado que prosseguimos o ciclo de catequeses
sobre a esperança cristã, hoje, gostaria de vos apresentar a Quaresma como
caminho de esperança.
Com efeito, esta perspectiva é
imediatamente evidente se pensarmos que a Quaresma foi instituída na Igreja
como tempo de preparação para a Páscoa e, portanto, todo o sentido deste período
de quarenta dias adquire luz do mistério pascal para o qual está orientado.
Podemos imaginar o Senhor Ressuscitado que nos chama a sair das nossas trevas,
e nós caminhamos rumo a Ele, que é a Luz. E a Quaresma é um caminho rumo a
Jesus Ressuscitado, um período de penitência e até de mortificação; contudo não
é um fim em si mesmo, mas visa levar-nos a ressuscitar em Cristo, a renovar a
nossa identidade baptismal, ou seja, a nascer novamente «do alto», do amor de
Deus (cf. Jo 3, 3). Eis por que motivo, por sua natureza, a Quaresma é tempo de
esperança.
Para compreender melhor o que isto
significa, devemos referir-nos à experiência fundamental do êxodo dos
israelitas do Egipto, descrita pela Bíblia, no livro que tem este nome: Êxodo.
O ponto de partida é a condição de escravidão no Egipto, a opressão, os
trabalhos forçados. Mas o Senhor não se esqueceu do seu povo, nem da sua
promessa: chama Moisés e, com braço poderoso, leva os israelitas a sair do Egipto,
guiando-os através do deserto rumo à Terra da liberdade. Durante este caminho
da escravidão para a liberdade, o Senhor dá a lei aos israelitas para os educar
a amá-lo, a Ele que é o único Senhor, e a amar-se entre si como irmãos. A
Escritura demonstra que o êxodo é longo e difícil: simbolicamente dura quarenta
anos, ou seja, o tempo de vida de uma geração. Uma geração que, perante as
provas do caminho, é sempre tentada a sentir saudade do Egipto e a voltar
atrás. Também, todos nós conhecemos a tentação de voltar atrás. Todos!... Mas,
o Senhor permanece fiel e aqueles coitados, guiados por Moisés, chegam à Terra
prometida. Todo este caminho é percorrido na esperança: a esperança de chegar à
Terra, e exactamente neste sentido constitui um «êxodo», uma saída da
escravidão para a liberdade. E estes quarenta dias são, também, para todos nós
uma saída da escravidão e do pecado para a liberdade, para o encontro com
Cristo Ressuscitado. Cada passo, cada esforço, cada provação, cada queda e cada
retomada, tudo tem sentido somente no contexto do desígnio de salvação de Deus,
que para o seu povo deseja a vida e não a morte, a alegria e não a dor.
A Páscoa de Jesus é o seu êxodo, mediante
o qual Ele nos abriu o caminho para alcançar a vida plena, terna e
bem-aventurada. Para abrir este caminho, esta passagem, Jesus teve que se despojar
da sua glória, humilhar-se, tornar-se obediente até à morte, e morte de cruz.
Abrir o nosso caminho para a vida eterna custou-lhe todo o seu sangue, e foi
graças a Ele que nós fomos salvos da escravidão do pecado. Mas isto não quer
dizer que Ele fez tudo e nós não devemos fazer nada; que Ele passou através da
cruz e nós «vamos para o Paraíso de carruagem». Não é assim! Sem dúvida, a
nossa salvação é sua dádiva, mas por ser uma história de amor, exige o nosso
«sim» e a nossa participação no seu amor, como nos demonstra a nossa Mãe Maria e,
depois dela, todos os santos.
A Quaresma vive desta dinâmica: Cristo
precede-nos com o seu êxodo e nós atravessamos o deserto graças a Ele e atrás
d’Ele. Ele é tentado por nós e derrotou o Tentador por nós, mas também nós
devemos enfrentar e superar as tentações com Ele. Ele oferece-nos a água viva
do seu Espírito, e a nós compete haurir da sua fonte e beber dos Sacramentos,
da oração e da adoração; Ele é a luz que derrota as trevas, e a nós pede-se que
alimentemos a pequena chama que nos foi confiada no dia do nosso Baptismo.
Neste sentido, a Quaresma é «sinal
sacramental da nossa conversão» (Missal Romano, Oração da Colecta do 1º Domingo
de Quaresma); quem percorre o caminho da Quaresma está sempre na vereda da
conversão. A Quaresma é sinal sacramental do nosso itinerário da escravidão
para a liberdade, que deve ser sempre renovado. Um caminho certamente exigente,
como é justo que seja, porque o amor é exigente; mas, um caminho repleto de
esperança. Aliás, diria mais: o êxodo quaresmal é o caminho em que a própria
esperança se forma. O esforço de atravessar o deserto — todas as provas, as
tentações, as ilusões, as miragens...— tudo isto serve para forjar uma
esperança forte, firme, segundo o modelo da Virgem Maria que, no meio das
trevas da paixão e da morte do seu Filho, continuou a acreditar e a esperar na
sua Ressurreição, na vitória do amor de Deus.
Com o coração aberto a este horizonte,
hoje, nós entramos na Quaresma. Sentindo-nos parte do povo santo de Deus,
empreendamos com alegria este caminho de esperança. (cf. Santa Sé)