- Homilia da Missa Crismal,
Quinta-Feira Santa, 13 de Abril, na Basílica Vaticana - Roma
«O Espírito do Senhor está sobre mim,
porque me ungiu para anunciar a Boa-Nova aos pobres; enviou-me a proclamar a
libertação aos cativos e, aos cegos, a recuperação da vista; a mandar em
liberdade os oprimidos» (Lc 4, 18). O Senhor, Ungido pelo Espírito, leva a
Boa-Nova aos pobres. Tudo aquilo que Jesus anuncia é Boa-Nova; alegra com a
alegria evangélica; e o mesmo se diga de nós, sacerdotes, de quem foi ungido em
seus pecados com o óleo do perdão, e ungido no seu carisma com o óleo da
missão, para ungir os outros. E, tal como Jesus, o sacerdote torna jubiloso o
anúncio com toda a sua pessoa. Quando pronuncia a homilia – breve, se possível
–, fá-lo com a alegria que toca o coração do seu povo, valendo-se da Palavra
com que o Senhor o tocou na sua oração. Como qualquer discípulo missionário, o
sacerdote torna jubiloso o anúncio com todo o seu ser. Aliás, como todos experimentamos,
são precisamente os detalhes mais insignificantes que melhor contêm e comunicam
a alegria: o detalhe de quem dá um pequeno passo a mais, fazendo com que a
misericórdia transborde nas terras de ninguém; o detalhe de quem se decide a
concretizar, fixando dia e hora para o encontro; o detalhe de quem deixa, com
suave disponibilidade, que ocupem o seu tempo…
A Boa-Nova pode parecer simplesmente um
modo diferente de dizer «Evangelho», como «feliz anúncio» ou «boa notícia».
Todavia, contém algo que compendia em si tudo o mais: a alegria do Evangelho.
Compendia tudo, porque é jubilosa em si mesma.
A Boa-Nova é a pérola preciosa do
Evangelho. Não é um objecto; mas uma missão. Bem o sabe quem experimenta «a
suave e reconfortante alegria de evangelizar» (Exort. ap. Evangelii gaudium,
10).
A Boa-Nova nasce da Unção. A primeira, a
«grande unção sacerdotal» de Jesus, é a que fez o Espírito Santo, no seio de
Maria.
Naqueles dias, a boa-nova da Anunciação
fez a Virgem Mãe cantar o Magnificat; encheu de um sacro silêncio o coração de
José, seu esposo, e fez saltar de gozo João, no seio de sua mãe, Isabel.
Hoje, Jesus regressa a Nazaré e a alegria
do Espírito renova a Unção na pequena sinagoga local: o Espírito pousa e
espalha-Se sobre Ele, ungindo-O com o óleo da alegria (cf. Sal 45/44, 8).
A Boa-Nova. Uma única palavra – Evangelho
– que, no acto de ser anunciada, se torna verdade jubilosa e misericordiosa.
Que ninguém procure separar estas três
graças do Evangelho: a sua Verdade – não negociável –; a sua Misericórdia –
incondicional com todos os pecadores –; e a sua Alegria – íntima e inclusiva.
Verdade, misericórdia e alegria: todas três juntas.
Nunca a verdade da Boa-Nova poderá ser
apenas uma verdade abstracta, uma daquelas que não se encarnam plenamente na
vida das pessoas, porque se sentem mais confortáveis na palavra escrita dos
livros.
Nunca a misericórdia da Boa-Nova poderá
ser uma falsa compaixão, que deixa o pecador na sua miséria, não lhe dando a
mão para se levantar nem o acompanhando para dar um passo mais no seu
compromisso.
Nunca a Boa-Nova poderá ser triste ou
neutra, porque é expressão duma alegria inteiramente pessoal: «a alegria dum
Pai que não quer que se perca nenhum dos seus pequeninos» (Exort. ap. Evangelii
gaudium, 237): a alegria de Jesus, ao ver que os pobres são evangelizados e que
os pequeninos saem a evangelizar (cf. ibid., 5).
As alegrias do Evangelho – uso agora o
plural, porque são muitas e variadas, segundo o modo como o Espírito as quer
comunicar em cada época, a cada pessoa, em cada cultura particular – são
alegrias especiais. Chegam-nos em odres novos, aqueles de que fala o Senhor
para expressar a novidade da sua mensagem.
Partilho convosco, queridos sacerdotes,
queridos irmãos, três ícones de odres novos em que a Boa-Nova se conserva bem –
é preciso conservá-la –, não se torna vinagrenta e se derrama em abundância.
Um ícone da Boa-Nova é o das talhas de
pedra das bodas de Caná (cf. Jo 2, 6). Num detalhe, as talhas espelham bem
aquele Odre perfeito que é – em Si mesma, toda inteira – Nossa Senhora, a
Virgem Maria. Diz o Evangelho que «as encheram até acima» (Jo 2, 7). Imagino
que algum dos serventes terá olhado para Maria para ver se já bastava assim, e
terá havido um gesto com o qual Ela terá dito para acrescentar mais um balde.
Maria é o odre novo da plenitude contagiosa. Queridos amigos, sem Nossa Senhora
não podemos avançar no nosso sacerdócio! Ela é «a serva humilde do Pai, que
transborda de alegria no louvor» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 286), é a Nossa
Senhora da prontidão, Aquela que acabara de conceber em seu seio imaculado o
Verbo da vida e já parte para ir visitar e servir a sua prima Isabel. A sua
plenitude contagiosa permite-nos superar a tentação do medo: não ter coragem de
se deixar encher até acima e transbordar, aquela timidez que não deixa ir
contagiar de alegria os outros. Não haja nada disto, porque «a alegria do
Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus»
(ibid., 1).
O segundo ícone da Boa-Nova que quero
compartilhar convosco é aquele cântaro – com a sua concha de pau – que trazia à
cabeça a Samaritana, sob o sol ardente do meio-dia (cf. Jo 4, 5-30). Expressa
bem uma questão essencial: ser concreto. O Senhor, que é a Fonte de Água viva,
não tinha um meio para tirar água e beber alguns goles. E a Samaritana tirou
água do seu cântaro com a concha e saciou a sede do Senhor. E saciou-a ainda
mais com a confissão dos seus pecados concretos. Agitando o odre daquela alma
samaritana, transbordante de misericórdia, o Espírito Santo derramou-Se sobre
todos os habitantes daquela pequena cidade, que convidaram o Senhor a
demorar-Se no meio deles. Um odre novo com esta concretização inclusiva, no-lo
presenteou o Senhor na alma «samaritana» que foi Madre Teresa de Calcutá. Ele
chamou-a e disse-lhe: «Tenho sede». «Vem, pequenina minha! Leva-Me aos tugúrios
dos pobres. Vem! Sê a minha luz. Não posso ir sozinho. Não Me conhecem, e por
isso não Me querem. Leva-Me a eles». E ela, começando por um pobre concreto,
com o seu sorriso e o seu modo de tocar as feridas com as mãos, levou a
Boa-Nova a todos. O modo de tocar as feridas com as mãos: as carícias
sacerdotais aos doentes, aos desesperados. O sacerdote, homem da ternura.
Concretização e ternura!
O terceiro ícone da Boa-Nova é o Odre
imenso do Coração trespassado do Senhor: integridade suave, humilde e pobre,
que atrai todos a Si. D’Ele devemos aprender que, anunciar uma grande alegria
àqueles que são muito pobres, só se pode fazer de forma respeitosa e humilde,
até à humilhação. A evangelização não pode ser presunçosa. Concreta, terna e
humilde: assim a evangelização será jubilosa. Não pode ser presunçosa a
evangelização; não pode ser rígida a integridade da verdade, porque a verdade
fez-Se carne, fez-Se ternura, fez-Se criança, fez-Se homem, fez-Se pecado na
cruz (cf. 2 Cor 5, 21). O Espírito anuncia e ensina «a verdade completa» (Jo
16, 13), e não tem medo de a dar a beber aos goles. O Espírito diz-nos, em cada
momento, aquilo que devemos dizer aos nossos adversários (cf. Mt 10, 19) e
ilumina-nos sobre o pequeno passo em frente que podemos dar naquele momento.
Esta integridade suave dá alegria aos pobres, reanima os pecadores, faz
respirar aqueles que estão oprimidos pelo demónio.
Queridos sacerdotes, contemplando e
bebendo destes três odres novos, que a Boa-Nova tenha em nós a plenitude
contagiosa que Nossa Senhora transmite com todo o seu ser, a concretização
inclusiva do anúncio da Samaritana e a integridade suave com que o Espírito
jorra e Se derrama incessantemente a partir do Coração trespassado de Jesus,
Nosso Senhor. (cf. Santa Sé)