- na Audiência-Geral, na
Praça de São Pedro – Roma, no dia 31 de Maio
Queridos irmãos e irmãs, bom dia!
Havia algo de fascinante na prece de
Jesus!... Tão fascinante que, certo dia, os seus discípulos pediram para ser
iniciados nela. O episódio encontra-se no Evangelho de Lucas que, entre os
Evangelistas, é aquele que mais documentou o mistério de Cristo “orante”: o
Senhor rezava. Os discípulos de Jesus ficam impressionados porque Ele,
especialmente de manhã e à noite, se retira em solidão e se “imerge” em oração.
E, por isso, um dia, pedem-Lhe que, também a eles, lhes ensine a rezar (cf. Lc
11, 1).
É então que Jesus transmite aquela que se
tornou a oração cristã por excelência: o “Pai-Nosso”. Na verdade, Lucas, em
comparação com Mateus, restitui-nos a prece de Jesus de uma forma um pouco
abreviada, que começa com a simples invocação: «Pai» (v. 2).
Todo o mistério da oração cristã está
resumido aqui, nesta palavra: ter a coragem de chamar Deus com o nome de Pai.
Afirma-o até a liturgia quando, convidando-nos à recitação comunitária da
oração de Jesus, utiliza a expressão «ousamos dizer».
Com efeito, chamar Deus com o nome de
“Pai” não é, de modo algum, uma coisa óbvia. Seríamos levados a usar os títulos
mais elevados, que nos parecem mais respeitadores da sua transcendência. Ao
contrário, invocá-lo como “Pai” coloca-nos numa relação de familiaridade com
Ele, como uma criança se dirige ao seu pai, consciente de ser amado e cuidado
por ele. Esta é a grande revolução que o cristianismo imprime na psicologia
religiosa do homem. O mistério de Deus, que sempre nos fascina e nos faz sentir
pequenos, mas não nos assusta, não nos esmaga, não nos angustia. Esta é uma
revolução difícil de aceitar na nossa alma humana; a tal ponto que, até nas
narrações da Ressurreição, se diz que as mulheres, depois de terem visto o
túmulo vazio e o anjo, «fugiram [...], trémulas e amedrontadas» (Mc 16, 8). Mas,
Jesus revela-nos que Deus é Pai bom e diz-nos: “Não tenhais medo!”.
Pensemos na parábola do pai misericordioso
(cf. Lc 15, 11-32). Jesus fala de um pai que só sabe ser amor para os seus
filhos. Um pai que não castiga o filho pela sua arrogância e que é capaz, até,
de lhe confiar a sua parte de herança, deixando-o ir embora de casa. Deus é
Pai, diz Jesus, mas não à maneira humana, pois não há pai algum neste mundo que
se comporte como o protagonista dessa parábola. Deus é Pai a seu modo: bom,
indefeso diante do livre arbítrio do homem, só capaz de conjugar o verbo
“amar”. Quando o filho rebelde, depois de ter desperdiçado tudo, finalmente
volta para a casa natal, aquele pai não aplica critérios de justiça humana, mas
sente, antes de tudo, a necessidade de perdoar e, com o seu abraço, leva o
filho a entender que durante todo aquele longo tempo de ausência lhe fez falta,
fez dolorosamente falta ao seu amor de pai.
Que mistério insondável é o de um Deus que
nutre este tipo de amor pelos seus filhos!
Talvez seja por esta razão que, evocando o
centro do mistério cristão, o Apóstolo Paulo não tem coragem de traduzir em
grego uma palavra que Jesus, em aramaico, pronunciava “abbá”. No seu
epistolário (cf. Rm 8, 15; Gl 4, 6), São Paulo aborda duas vezes este tema e,
por duas vezes, deixa aquela palavra não traduzida, da mesma forma como brotou
dos lábios de Jesus, “abbá”, um termo ainda mais íntimo do que “pai”, e que
alguns traduzem “papá, paizinho”.
Caros irmãos e irmãs: nunca estamos sós.
Podemos estar longe, ser hostis, podemos até professar-nos “sem Deus”. Mas o
Evangelho de Jesus Cristo revela-nos que Deus não consegue estar sem nós: Ele
nunca será um Deus “sem o homem”; é Ele que não pode estar sem nós e este é um
grande mistério! Deus não pode ser Deus sem o homem: este é um grande mistério!
E esta certeza é a fonte da nossa esperança, que encontramos conservada em
todas as invocações do Pai-Nosso. Quando temos necessidade de ajuda, Jesus não
nos diz para nos resignarmos e nos fecharmos em nós mesmos, mas para nos
dirigirmos ao Pai, pedindo-Lhe com confiança. Todas as nossas necessidades, das
mais evidentes e diárias, como a comida, a saúde e o trabalho, até àquela de
sermos perdoados e ajudados nas tentações, não são o espelho da nossa solidão:
ao contrário, há um Pai que nos fita sempre com amor e que, certamente, não nos
abandona.
Agora, faço-vos uma proposta: cada um de
nós tem muitos problemas e muitas necessidades. Pensemos um pouco, em silêncio,
nesses problemas e nessas dificuldades. Pensemos, também, no Pai, no nosso Pai,
que não pode estar sem nós e que, neste momento, está a olhar para nós. E,
todos juntos, com confiança e esperança, oremos: “Pai-Nosso, que estais nos Céus...”.
Obrigado! (cf. Santa Sé)