- na Audiência-Geral, na
Praça de São Pedro – Roma, no dia 21 de Junho
No dia do nosso Baptismo, ressoou para nós
a invocação dos santos. Naquele momento, muitos de nós éramos crianças, levadas
ao colo pelos nossos pais. Pouco antes de fazer a unção com o Óleo dos
catecúmenos, símbolo da força de Deus na luta contra o mal, o sacerdote
convidou toda a assembleia a rezar por aqueles que estavam prestes a receber o
Baptismo, invocando a intercessão dos santos. Era a primeira vez que, durante a
nossa vida, nos concediam esta companhia de irmãos e irmãs “mais velhos” — os
santos — que passaram pelo mesmo caminho que nós passamos; que conheceram as mesmas
dificuldades que nós conhecemos; e vivem, para sempre, no abraço de Deus. A
Carta aos Hebreus define esta companhia que nos circunda, com a expressão
«multidão de testemunhas» (12, 1). Assim são os santos: uma multidão de testemunhas.
Na luta contra o mal, os cristãos não desesperam.
O cristianismo cultiva uma confiança incurável: não acredita que as forças
negativas e desagregadoras possam predominar. A última palavra sobre a história
do homem não é o ódio, não é a morte, não é a guerra. Em cada momento da vida,
somos ajudados pela mão de Deus, e também pela presença discreta de todos os
crentes que «nos precederam com o sinal da fé» (Cânone Romano). A sua
existência diz-nos, antes de tudo, que a vida cristã não é um ideal
inacessível. E, ao mesmo tempo, conforta-nos: não estamos sozinhos, a Igreja é
composta por inúmeros irmãos, muitas vezes anónimos, que nos precederam e que,
mediante a acção do Espírito Santo, participam nas vicissitudes de quantos
ainda vivem aqui na terra.
A do Baptismo não é a única invocação dos
santos que marca o caminho da vida cristã. Quando dois noivos consagram o seu
amor no sacramento do Matrimónio, invoca-se de novo para eles — desta vez como
casal — a intercessão dos santos. E esta invocação é fonte de confiança para os
dois jovens que partem para a “viagem” da vida conjugal. Quem ama
verdadeiramente tem o desejo e a coragem de dizer “para sempre” — “para sempre”
— mas sabe que tem a necessidade da graça de Cristo e da ajuda dos santos para
poder levar a vida matrimonial para sempre. Não como alguns dizem: “enquanto o
amor durar”. Não: para sempre! Caso contrário, é melhor que não te cases. Ou
para sempre ou nada. Por isso, na liturgia nupcial invoca-se a presença dos
santos. E, nos momentos difíceis, é preciso ter a coragem de elevar o olhar
para o céu, pensando nos numerosos cristãos que passaram através das
tribulações e conservaram brancas as suas vestes baptismais, lavando-as no
sangue do Cordeiro (cf. Ap 7, 14): assim reza o Livro do Apocalipse. Deus nunca
nos abandona: cada vez que tivermos necessidade, virá um dos seus anjos para
nos animar e para nos infundir a consolação. “Anjos” às vezes com um rosto e um
coração humanos, porque os santos de Deus estão sempre aqui, escondidos no meio
de nós. Isto é difícil de entender e até de imaginar, mas os santos estão
presentes na nossa vida. E quando alguém invoca um santo ou uma santa, é
precisamente porque se encontra próximo de nós.
Inclusive os presbíteros conservam a
recordação de uma invocação dos santos, pronunciada sobre eles. É um dos
momentos mais emocionantes da liturgia da ordenação. Os candidatos deitam-se no
chão, com o rosto virado para baixo. E toda a assembleia, presidida pelo Bispo,
invoca a intercessão dos santos. Um homem ficaria esmagado sob o peso da missão
que lhe é confiada, mas ouvindo que o Paraíso inteiro o protege, que a graça de
Deus não faltará porque Jesus permanece sempre fiel, então ele pode partir
sereno e encorajado. Não estamos sozinhos.
E o que somos nós? Somos pó que aspira ao
céu. Frágeis nas nossas forças, mas é poderoso o mistério da graça que está
presente na vida dos cristãos. Somos fiéis a esta terra, que Jesus amou em cada
instante da sua vida, mas sabemos e queremos esperar na transfiguração do
mundo, no seu cumprimento definitivo onde, finalmente, já não haverá lágrimas,
maldade, sofrimento.
Que o Senhor conceda a todos nós a
esperança de ser santos. Mas alguns de vós poderão perguntar-me: “Padre, é
possível ser santo na vida de todos os dias?”. Sim, é possível. “Mas isto
significa que devemos rezar o dia inteiro?” Não, quer dizer que tu deves
cumprir o teu dever ao longo do dia: rezar, ir ao trabalho, proteger os teus
filhos. Mas é preciso fazer tudo com o coração aberto a Deus, de modo que o
trabalho, até na enfermidade e no sofrimento, inclusive no meio das
dificuldades, permaneça aberto a Deus. E assim é possível ser santo. Que o
Senhor nos dê a esperança de ser santos. Não pensemos que é algo difícil, que é
mais fácil sermos delinquentes do que santos! Não. Podemos ser santos, porque o
Senhor nos ajuda; é Ele que nos assiste.
É o grande presente que cada um de nós
pode oferecer ao mundo. Que o Senhor nos conceda a graça de crer tão
profundamente n’Ele, a ponto de nos tornarmos imagem de Cristo para este mundo.
A nossa história tem necessidade de “místicos”: de pessoas que rejeitam
qualquer domínio, que aspiram à caridade e à fraternidade. Homens e mulheres
que vivem, aceitando até um quinhão de sofrimento, porque assumem o cansaço do
próximo. Mas, sem estes homens e mulheres, o mundo não teria esperança. Por
isso, faço votos a fim de que vós — e também eu — recebamos do Senhor o dom da
esperança de sermos santos. Obrigado! (cf. Santa Sé)