PALAVRA COM SENTIDO

PALAVRA COM SENTIDO “… Vieram ao Seu encontro dez leprosos…” (cf. Lucas 17,12) O Evangelho deste domingo convida-nos a reconhecer, com maravilha e gratidão, os dons de Deus. Ao longo da estrada que O leva à morte e à ressurreição, Jesus encontra dez leprosos, que vêm ao seu encontro; param à distância e gritam o seu infortúnio àquele homem em quem a fé deles intuiu um possível salvador: «Jesus, Mestre, tem compaixão de nós!» (Lc 17, 13). Estão doentes, e procuram alguém que os cure. Em resposta, Jesus disse-lhes que fossem apresentar-se aos sacerdotes, que, segundo a Lei, estavam encarregados de constatar uma eventual cura. Desta forma, não Se limita a fazer uma promessa, mas põe à prova a sua fé. Pois, naquele momento, os dez ainda não estão curados; recuperam a saúde enquanto vão a caminho, depois de ter obedecido à palavra de Jesus. Então todos, cheios de alegria, se apresentam aos sacerdotes e seguem depois pelo seu caminho, mas esquecendo o Doador, ou seja, o Pai que os curou por meio de Jesus, o seu Filho feito homem. Apenas uma excepção: um samaritano, um estrangeiro que vive marginalizado do povo eleito, quase um pagão. Este homem não se contenta com ter obtido a cura através da sua própria fé, mas faz com que uma tal cura atinja a sua plenitude, voltando atrás para expressar a sua gratidão pelo dom recebido, reconhecendo em Jesus o verdadeiro Sacerdote que, depois de o ter erguido e salvado, pode fazê-lo caminhar acolhendo-o entre os seus discípulos. Como é importante saber agradecer, saber louvar por tudo aquilo que o Senhor faz por nós! Assim podemos perguntar-nos: somos capazes de dizer obrigado? Quantas vezes dizemos obrigado em família, na comunidade, na Igreja? Quantas vezes dizemos obrigado a quem nos ajuda, a quem está ao nosso lado, a quem nos acompanha na vida? Muitas vezes, consideramos tudo como se nos fosse devido! E isto acontece, também, com Deus. É fácil ir ter com o Senhor para Lhe pedir qualquer coisa; mas voltar para Lhe agradecer... Por isso Jesus sublinha fortemente a falta dos nove leprosos ingratos: «Não foram dez os que ficaram limpos? Onde estão os outros nove? Não houve quem voltasse para dar glória a Deus, senão este estrangeiro?» (Lc 17, 17-18). Hoje, é-nos proposto um modelo – antes, o modelo – a contemplar: Maria, a nossa Mãe. Depois de ter recebido o anúncio do Anjo, Ela deixou brotar, do seu coração, um cântico de louvor e agradecimento a Deus: «A minha alma glorifica o Senhor....» Peçamos a Nossa Senhora que nos ajude a entender que tudo é dom de Deus e a saber agradecer: então – garanto-vos eu – a nossa alegria será completa. Só aquele que sabe agradecer, experimenta a plenitude da alegria. Para saber agradecer, é preciso também a humildade. Na primeira Leitura, ouvimos o caso singular de Naaman, comandante do exército do rei da Síria (cf. 2 Re 5, 14-17). Está leproso; para se curar, aceita a sugestão duma pobre escrava e confia-se aos cuidados do profeta Eliseu, que para ele é um inimigo. Naaman, porém, está disposto a humilhar-se. E, dele, Eliseu não pretende nada; manda-o apenas mergulhar na água do rio Jordão. Esta exigência deixa Naaman perplexo, até mesmo contrariado: poderá porventura ser verdadeiramente um Deus, Aquele que pede coisas tão banais? E estava para voltar a casa, mas depois aceita mergulhar no Jordão e, imediatamente, fica curado. O coração de Maria, mais do que qualquer outro, é um coração humilde e capaz de acolher os dons de Deus. E, para Se fazer homem, Deus escolheu-A precisamente a Ela, uma jovem simples de Nazaré, que não vivia nos palácios do poder e da riqueza, que não realizou feitos extraordinários. Interroguemo-nos – far-nos-á bem – se estamos dispostos a receber os dons de Deus ou preferimos antes fechar-nos nas seguranças materiais, nas seguranças intelectuais, nas seguranças dos nossos projectos. É significativo que Naaman e o samaritano sejam dois estrangeiros. Quantos estrangeiros, incluindo pessoas doutras religiões, nos dão exemplo de valores que nós, às vezes, esquecemos ou negligenciamos! É verdade; quem vive a nosso lado, talvez desprezado e marginalizado porque estrangeiro, pode ensinar-nos como trilhar o caminho que o Senhor quer. Também a Mãe de Deus, juntamente com o esposo José, experimentou a separação da sua terra. Por muito tempo, também Ela foi estrangeira no Egipto, vivendo longe de parentes e amigos. Mas a sua fé soube vencer as dificuldades. Conservemos intimamente esta fé simples da Santíssima Mãe de Deus; peçamos-Lhe a graça de saber voltar sempre a Jesus e dizer-Lhe o nosso obrigado pelos inúmeros benefícios da sua misericórdia. (cf. Papa Francisco, na Homilia, Praça de São Pedro, Roma, Domingo, 9 de Outubro de 2016)

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

IN MEMORIAM


D. ANTÓNIO FRANCISCO DOS SANTOS

No dia 11 de Setembro de 2017, pelas 9,30 horas, faleceu aos 69 anos, na Casa Episcopal do Porto, D. António Francisco dos Santos, Bispo do Porto.
D. António Francisco dos Santos foi nomeado Bispo do Porto em Fevereiro de 2014 e tomou posse no dia 5 de Abril de 2014. Ordenado bispo em Março de 2005, na Sé de Lamego, foi nomeado bispo-auxiliar de Braga, pelo Papa João Paulo II e, posteriormente, nomeado bispo de Aveiro, pelo Papa Bento XVI, de onde transitou para a Diocese do Porto, sucedendo a D. Manuel Clemente.
Era natural de Tendais, no Concelho de Cinfães - Diocese de Lamego – onde foi ordenado presbítero, em Dezembro de 1972.
No momento da sua morte desempenhava o cargo de presidente da Comissão Episcopal da Pastoral Social e Mobilidade Humana e de vogal da Comissão Episcopal da Educação Cristã e Doutrina da Fé, no âmbito da Conferência Episcopal Portuguesa.
A Diocese do Porto e a Igreja Portuguesa vivem, ainda, em estado de choque e de emoção pela perda deste homem de simplicidade e de ternura e deste bispo tão humano e tão próximo que marcou o coração e a vida de todos os diocesanos e daqueles que puderam privar com ele.
Rezamos, em comunhão de irmãos e de amigos, para que viva, agora na eternidade, o grande abraço de Deus que plenifica e enche de alegria e paz.



HOMILIA DO SR. D. MANUEL CLEMENTE
- na Missa exequial de D. António Francisco dos Santos, Bispo do Porto

Irmãos caríssimos:
Surpreendido ainda pelo súbito falecimento do Senhor D. António Francisco dos Santos, Bispo do Porto, nosso irmão e amigo, correspondo à indicação que me foi feita para presidir a esta Santa Missa Exequial.
Com simplicidade e emoção o faço. Longos anos de amizade, a coincidência de idade e de percurso eclesial, tudo me aproximou do Senhor D. António Francisco, em muitos encontros institucionais e pessoais, projectos e desafios das nossas missões e tarefas. Sempre nele encontrei disponibilidade e competência, além da muita estima recíproca.
Num momento como este, são muitas as palavras possíveis, como aliás têm sido proferidas por grande número de pessoas da Igreja e da sociedade, não faltando o depoimento de altas figuras da vida nacional e local. Todas aliam sentimentos de admiração e já saudade pela grande figura pessoal, eclesial e social que entre nós viveu e verdadeiramente conviveu, pois grande e marcante era a sua capacidade de estar com os outros e, ainda mais, de estar para os outros.
Assim sendo, continuará connosco pelo que de si mesmo nos ofereceu e passou a integrar também. Se, em boa parte, somos o que os outros nos fazem ser, grande vantagem foi – e motivo de acção de graças agora – termos podido disfrutar da presença, da palavra, da grande generosidade do Senhor D. António Francisco. Os homens bons são a garantia do mundo, os bons pastores são a glória da Igreja.
Não precisei de procurar muito a alusão bíblica que melhor o identificasse, como pessoa, como cristão e como bispo. Logo se impôs a que o próprio Cristo escolheu para si, ao apresentar-se como Pastor – o Bom Pastor das ovelhas que somos.
Lembramos o passo evangélico, como acabámos de ouvir. No capítulo décimo do Evangelho de João, o Bom Pastor distingue-se pelo conhecimento que tem das ovelhas - de cada um dos seus, nome a nome, assim mesmo os conduzindo e defendendo. Jesus diz também, e sobretudo, que não apenas as conduz mas dá a própria vida pelas ovelhas.
É esta a novidade, pois não tinham faltado nos profetas e nos salmos preciosas referências a Deus como Pastor do seu povo. Mesmo os antigos reis e outros responsáveis o podiam e deviam ter sido, de algum modo. A imagem não era totalmente nova, mas a novidade estava ainda por cumprir de modo definitivo e sensível.
Também nós o esperamos de quem tenha responsabilidades na cidade dos homens e na Igreja dos crentes. Tocados como fomos e permanecemos pela tradição evangélica, há imagens de Cristo que se tornaram profundamente culturais, no sentido mais preenchido do termo. Creio mesmo ser essa a realidade que ainda nos pode definir colectivamente – e cheia de futuro, aliás.
Não é por acaso que, quando queremos significar a verdadeira ajuda, o serviço dos outros, usamos – mais ou menos conscientemente – os termos tão evangélicos de “bom samaritano” ou de verdadeiramente “próximo”. Não é por acaso que, quando se acolhe benevolamente quem regressa, falamos do “filho pródigo” e sobretudo do pai que o recebe. Não é por acaso que se classificam as grandes dedicações profissionais ou cívicas como “sacerdócio”, no sentido novo que o Cristianismo lhe deu.
Mas, de todas as imagens que Jesus toma para o Pai ou para si sobressai como particularmente impressiva a do “Bom Pastor”. Numa sociedade agrária e pastoril, como ainda era a sua e fora por tantos séculos a dos seus, a imagem evocava imediatamente o cuidado por todos e cada um, a atenção especial aos mais fracos, o aconchego duma presença certa. Por isso se impôs nas primeiras comunidades e na antiga iconografia cristã. Como se continua a impor na nossa meditação e oração. Cristo é o rosto definitivo e próximo de Deus, como nosso Pastor, como Pastor de todos.
E no entanto, caríssimos irmãos, creio que a alusão nunca seria tão forte e distintiva se não tivesse encontrado pleno e quase excessivo cumprimento na pessoa de Cristo, que não apenas guardou as suas ovelhas mas por elas deu a própria vida. Esta nova maneira de ser pastor, esta absoluta maneira de ser connosco, de ser por nós e para nós, é que dá ao passo evangélico a força e a sugestão que tão salutarmente mantém.
Digamos ainda que, assim como Jesus Cristo deu à imagem do Bom Pastor a realidade mais concreta e convincente, assim a sua presença ressuscitada encontra o sinal e o sacramento em quem, pela participação no seu Espírito, lhe dê agora o rosto e o gesto.
É precisamente neste ponto que – sem extrapolações nem lugares comuns – podemos e devemos reencontrar a figura do Senhor D. António Francisco, com toda a justiça em relação ao que foi entre nós e muita acção de graças a Deus que no-lo deu como sacramento de Cristo Pastor – em Lamego, em Braga, em Aveiro, no Porto e em todos os lugares que a sua vida visitou.
Ser bispo, nas actuais circunstâncias, é um trabalho complexo e quase inabarcável para quem o exerce. Não se está acima de nada nem de ninguém, muito pelo contrário, mas sim no centro de tudo ou quase tudo, no que à igreja se refere e mesmo além da vida da Igreja. A pressão é grande, inclusive a mediática, e as estruturas intermédias quase se desfazem, pois sempre se espera que, quem está no centro, responda imediatamente seja ao que for, por mais inesperado ou casual que possa ser.
A mentalidade é de contraste, o dia-a-dia atropela-se e a solicitação é forte ou latente. Por outro lado, tratando-se de acompanhar e conjugar a vida eclesial, a avaliação e a decisão requerem especial cuidado. São sempre realidades anímicas, trata-se afinal de pessoas.
D. António Francisco dos Santos foi um grande pastor da Igreja. No sentido plenamente cristão de quem dá a vida pelas ovelhas. Assim a deu generosamente, quase sem descanso e nas circunstâncias que esbocei.
Lembro-me de quando veio falar comigo, hesitante em aceitar o cargo. Estava feliz e realizado em Aveiro e tinha receio de não ser capaz. Foi capaz e capacíssimo, precisamente no essencial, de ser um pastor próximo e amigo de todos e de cada um dos seus. Não lhe faltaram dificuldades, mas nenhuma lhe endureceu o espírito nem o trato. Sábio e bondoso, assim permaneceu e assim nos fica, como memória e como estímulo.
Fisicamente, o coração pode parar. Espiritualmente, isto é, realmente, continua connosco no coração de Deus. No coração de Cristo, o nosso Bom Pastor.
Muito obrigado, caríssimo irmão e amigo!

Sé do Porto, 13 de setembro de 2017
+ Manuel Clemente



D. ANTÓNIO TAIPA, 
ADMINISTRADOR DIOCESANO

Com a morte do Sr. D. António Francisco dos Santos, o Colégio de Consultores da Diocese do Porto elegeu como Administrador Diocesano o Sr. D. António Maria Bessa Taipa, até agora Bispo-Auxiliar do Porto. A partir de agora e enquanto não for nomeado um novo bispo para a Diocese do Porto, na oração eucarística, no momento próprio, diremos: “…em comunhão com o Papa Francisco e o nosso Administrador Diocesano, António…”.

Entretanto, o Sr. D. António Taipa reconduziu nos seus cargos o Vigário Geral e todos aqueles, que, a teor do Direito Canónico, necessitam da confirmação da legítima autoridade eclesiástica para continuarem a exercer as suas funções, até que seja mandado o contrário. A todos concedeu as faculdades habituais necessárias para o desempenho das suas funções.