BEATA MARIA TERESA DE SÃO JOSÉ
Ana Maria Tauscher van den Bosch nasceu em Sandow, na
Marca de Brandemburgo (actualmente pertence à Polónia) no dia 19 de Junho de
1855. Era filha de Herman Traugott Tauscher e de
Paulina van den Bosch O seu pai era
pastor protestante, exercendo um alto cargo dentro da Comunidade, em
continuidade com as tarefas já exercidas pelos seus antepassados, desde os
tempos de Martinho Lutero. A sua família, de tradição luterana, era muito empenhada
nas diversas actividades pastorais e caritativas. Em 1865, a família
transferiu-se para Berlim.
Desde a idade de 15 anos, Ana Maria aspirava a uma
verdade mais profunda do que aquela que lhe tinha sido transmitida através da
sua educação luterana. Aos 22 anos, começou a ler quotidianamente a Sagrada
Escritura e a Imitação de Cristo. Um dia, frente a alguns colegas do seu pai,
atreveu-se a defender a doutrina da infalibilidade pontifícia. Também
acreditava na virgindade de Maria, sem nunca ter estado em contacto com
católicos, nem ter lido obras católicas.
Aos 22 anos, Ana Maria teve a intuição de que Deus a
chamaria para o seu serviço quando tivesse 30 anos. Porém, não sabia nem onde,
nem como isso ia acontecer. Ela tudo entregava nas mãos da Divina Providência.
Em Fevereiro de 1886, estando em Berlim, na casa de
amigos, Ana Maria leu num jornal de Colónia um anúncio propondo um trabalho de
enfermeira-chefe, num hospital psiquiátrico. Seria este o sacrifício, o tal
serviço que tinha intuído há oito anos? No dia 6 de Março de 1886, Ana Maria
deixou Berlim para começar a trabalhar na clínica de Lindenburg. Não tinha nenhuma
experiência de enfermeira, mas a sua entrega e o seu amor quase maternal logo
transformaram o asilo num autêntico Lar. À excepção do director, todas as
pessoas da clínica de Lindenburg eram católicas. Um dos sacerdotes que vinha
visitar os doentes ofereceu-lhe um catecismo da Igreja Católica. Nele, ela
encontrou o que até então ela chamava de “sua religião pessoal”. E, assim,
começou rapidamente a preparar, em segredo, a sua conversão.
O director acabou por descobrir as intenções de Ana
Maria. Mandou-a de volta para casa, mas voltou a chamá-la algumas semanas mais
tarde. Quando se preparava para entrar no comboio com destino a Colónia, o seu
pai exortou-a a que não se convertesse ao catolicismo. Ela prometeu-lhe
unicamente “que tal não aconteceria hoje ou amanhã”. Quando Ana Maria fez a sua
profissão de fé na Igreja Católica, no dia 30 de Outubro de 1888, deixou para
trás todo o seu passado.
Desaprovada pelo seu pai, despedida de Lindenburg, Ana
Maria colocou toda a sua confiança em Deus. Apesar de se ter proposto para
vários empregos, não conseguiu um outro trabalho, porque o seu ex-director
tinha feito uma carta de recomendação pouco favorável. A partir de então, viu-se
sem trabalho e sem casa. Graças à ajuda de amigos católicos, Ana Maria foi recebida
num convento, onde também se cuidava de pessoas de idade.
Todas as tardes e todas as noites, Ana Maria vinha
junto do Senhor, frente ao altar do Santíssimo Sacramento, fortalecendo, assim,
os laços que a uniam ao seu Divino Esposo. Continuava, no entanto, a sua séria
procura de trabalho.
“Senhor, segundo a Vossa vontade, mandai-me trabalhar
para a salvação das almas onde quiserdes. Escutai o ardente desejo da minha
alma de poder demonstrar o meu amor e a minha gratidão. (...) meu Deus, se for
possível, não me mandeis para Berlim, mas seja feita a Vossa vontade e não a
minha.”
Era deste modo que Ana Maria rezava todos os dias.
Desejava entrar numa ordem religiosa mas, ao mesmo tempo, sentia no seu íntimo
a vontade de fundar a sua própria Congregação. Ana Maria chamava a este desejo
profundo a ‘sua tentação’. Ela, porém, não podia partilhar com ninguém esta sua
ideia. Esperava que, entrando numa comunidade, esta provação desaparecesse. Os
seus confessores sabiam que Deus a chamava para o seu serviço, mas
aconselharam-na a não entrar numa ordem já existente. Passados 10 meses, Ana
Maria recebeu uma carta da Condessa de Savigny - uma católica fervorosa que
vivia em Berlim - que lhe propunha um trabalho de dama de companhia. Apesar da
sua tristeza em deixar Colónia, Ana Maria aceitou.
Acompanhando a Condessa de Savigny nas suas viagens,
Ana Maria começou a ler ‘A Vida de Santa Teresa de Jesus’, uma santa que tinha
reformado o Carmelo, no século XVI. A humildade de Teresa, o seu amor a Deus, o
seu desejo ardente de salvar almas e o seu heroísmo correspondiam perfeitamente
aos anseios de Ana Maria. Desde então, ela queria uma só coisa: entrar no
Carmelo. Mas, uma vez mais, o seu confessor dissuadiu-a e ela continuou a
resistir à “sua tentação”. Quando o seu confessor partiu para as missões, Ana
Maria procurou o conselho de um outro padre. As palavras dele foram
libertadoras: “Pare de resistir à graça!”
Ana Maria começou, desde logo, a trabalhar naquilo
para que se sentia chamada. Em Berlim, ela tinha presenciado o grande desespero
das crianças sem casa. Colocou-se em contacto com o Delegado Episcopal de
Berlim e obteve autorização para abrir um Lar para crianças. Com 500 marcos - que
a Condessa lhe tinha dado, em sinal de agradecimento - Ana Maria abriu o primeiro
‘Lar São José’, a 2 de Agosto de 1891. Começou por instalar três crianças, uma
educadora e uma empregada doméstica, nalguns quartos de um prédio antigo,
situado em “Pappelallee.” As crianças chamavam-lhe “Mãe” e, muito rapidamente,
passou a ser conhecida como “Mãe da Pappelallee”. Mas, ainda faltava algo muito
importante: a presença eucarística. Ana Maria não se cansava de rezar: “Senhor,
se vierdes, eu venho também”. Estava firmemente decidida a só se instalar no
Lar São José, quando o Santíssimo Sacramento aí estivesse presente.
A Eucaristia tinha-se tornado o centro da vida e do
trabalho de Madre Maria Teresa de São José. Na capela de Colónia, passou horas
e horas a rezar, silenciosamente, a Jesus, “o Amado da sua alma”. Diante do Sacrário,
na sua união pessoal com Cristo, Madre Teresa de São José encontrava alegria,
paz e o mais profundo amor que um coração humano pode experimentar. “Deus
inflamou o meu coração com tanta veemência de amor, que todo o sofrimento que a
graça de Deus, mais tarde, me mandou ou permitiu que caísse sobre mim, não me
parecia mais do que uma gota de água que cai em cima de um ferro
incandescente”.
Com Jesus e por seu amor, ela estava pronta para tudo
suportar, mas a sua ausência era para ela uma verdadeira tortura. “Coração de
Jesus, ninguém pode compreender como anseio por Vós. Ninguém é capaz de contar
as lágrimas de desejo que chorei por Vós. Senhor, se vierdes, eu venho também!”
Era esta a sua oração constante. Era a fonte que alimentava todas as suas actividades
apostólicas.
O Amor nunca é estéril. A sua força criativa
expande-se. Madre Maria Teresa desejava reunir outras pessoas à volta da ‘Fonte
de Amor’ que ela tinha encontrado. Só assim, bebendo constantemente desta
fonte, é que ela própria e as outras jovens que se tinham juntado a ela, poderiam
tornar-se instrumentos de Deus.
A 8 de Dezembro de 1891, Cristo veio morar na
“Pappelallee”. Para Ana Maria foi “o dia mais feliz da sua vida”. “As nossas
almas ganham vida nova na grande fonte de amor que é o Santíssimo Sacramento e
todos os dias se reacendem no fogo do Divino Amor que nunca descansa, mas que
espalha, ao redor de si, as suas centelhas que são as obras de caridade em que
Ele se consome.”
Em 1897, mais de quarenta jovens já se tinham associado
à obra de Madre Teresa, servindo nos Lares São José. Para além dos dois Lares
de crianças em Berlim, havia ainda mais dois na Boémia e um outro em Oldenburg.
Em Berlim, ela abriu também um centro de acolhimento para os padres que
trabalhavam ou estudavam nesta cidade. No entanto, Madre Maria Teresa não fundava
os Lares São José para serem somente instituições sociais. Em 1891,
contemplando a beleza de um pôr-do-sol, ela compreendeu a razão de ser das suas
fundações: “A consagração das Servas do Divino Coração de Jesus implica viver
para a expiação dos pecados; no esforço da santificação pessoal e na entrega
para a salvação das almas”. Ela tinha conhecido o Carmelo através de Santa
Teresa de Jesus e tinha encontrado no zelo e nas orações dos santos do Carmelo
- que tinham oferecido as suas vidas como vítimas de Amor pela salvação das
almas e glória da Igreja - uma fonte de inspiração para a sua própria vocação.
A sua Congregação deveria seguir a espiritualidade carmelita. Santa Teresa
tinha aberto o caminho.
A partir de Novembro de 1896, Madre Maria Teresa e a
sua comunidade cuidam das crianças e fazem missão nos domicílios, observando,
ao mesmo tempo, a regra Primitiva da Ordem de Nossa Senhora do Monte Carmelo. Tal
como a sua mãe espiritual, Santa Teresa de Jesus, a maior alegria da Madre
Maria Teresa era a de ser filha da Igreja. A sua humildade era imensa ao aperceber-se
de que Deus a tinha chamado a si, “uma filha do deserto”, para fundar uma comunidade
religiosa e para guiar outras mulheres já nascidas no seio da Igreja. Como uma
verdadeira filha da Igreja, sempre se mostrou fiel e obedeceu aos bispos e aos
ensinamentos da Igreja. A “voz do Bispo” representava para ela o “voz de Deus”,
mesmo quando se tratava de encerrar um convento ou um Lar.
Madre Maria Teresa viu a Igreja ser perseguida e
devendo fazer face a inúmeros entraves. Em profunda união com o Sagrado Coração
de Jesus, os sofrimentos e a glória do Corpo Místico de Cristo – a Igreja –
tornam-se os seus próprios sofrimentos e a sua glória.
Em 1897, Madre Maria Teresa esperava obter do Cardeal
Kopp, Bispo de Breslau - de que Berlim
dependia nessa altura -, o reconhecimento da sua fundação como Congregação
religiosa. Apesar de financiar o trabalho das Irmãs, o prelado continuou inflexível
e recusou a aprovação canónica da Congregação. Seguindo os conselhos de um
padre, Madre Maria Teresa decidiu ir procurar ajuda a Roma. Lá, encontrou o Padre
Geral da Ordem do Carmelo e expôs-lhe o seu desejo de reunir, numa mesma
espiritualidade, os dois aspectos do espírito do Carmelo – oração contemplativa
e zelo apostólico - para responder às necessidades da época. Esta iniciativa
entusiasmou de tal maneira o Superior-Geral que ele abençoou o seu escapulário
e a ajudou a obter uma carta de recomendação do Cardeal Parocchi, protector da
Ordem do Carmelo.
Contudo, devido a situação tensa que se vivia na
Igreja da Alemanha, o Cardeal Kopp continuou a recusar considerar como
religiosas as Irmãs que trabalhavam nos Lares São José. Madre Maria Teresa
começou a procurar um Bispo que aceitasse receber as suas noviças e criar uma
Casa-Mãe, na sua Diocese. Durante seis anos, viajou desde a Baviera até à
Holanda, passando pela Inglaterra e pela Itália. Por duas vezes obteve
autorização de fundar uma Casa-Mãe mas, circunstâncias adversas obrigaram-na a
deixar essas dioceses, fechando os noviciados, antes mesmo que as irmãs
pudessem pronunciar os seus votos.
Finalmente, em 1904, em Rocca di Papa, Itália, surge a
Casa-Mãe. Aí, manteve-se durante 18 anos, tendo sido transferida para Sittard,
depois da Primeira Guerra Mundial.
Em Berlim, um grande número de padres e outros
católicos criticaram severamente a Madre Maria Teresa no seu desejo de criar
uma nova Congregação religiosa. As jovens, que tinham intenção de entrar para a
comunidade, ou ajudá-la, eram constantemente dissuadidas. A calúnia e a
difamação dos opositores pareciam vir de todo o lado, onde quer que a Madre
Maria Teresa se instalasse. Mas nunca ela retorquiu dizendo mal deles. Durante
todos esses anos, teve de enfrentar a solidão, o afastamento da sua família, a
doença e a pobreza.
O sofrimento tinha-se tornado, para a Madre Maria
Teresa, uma fonte de alegria profunda, pois era um meio que ela utilizava para
unir a sua alma a Deus, e para, com o Salvador, participar na redenção do
mundo.
Ao fundar as Irmãs Carmelitas do Divino Coração de
Jesus, a Madre Maria Teresa entregou-se inteiramente a Deus como vítima do seu
amor. Passou a sua vida a servir os pobres, a rezar, a trabalhar e a sofrer
pela salvação das almas e pela liberdade da Igreja. Em 1930, o trabalho e o
sacrifício da Madre Maria Teresa foram coroados pela aprovação da sua
Congregação, pelo Papa Pio XI.
A Madre Maria Teresa percorreu a Europa e os Estados
Unidos para fundar os Lares para as crianças, e mais tarde os Lares para os
idosos. Os últimos anos da sua vida, passou-os em Sittard, na Holanda,
dirigindo a Congregação a partir da Casa-Mãe, aí estabelecida desde 1922.
Apesar de muito enfraquecida fisicamente e quase cega,
passava largas horas em oração, de joelhos, diante do Santíssimo Sacramente, e
continuou sempre meiga e atenciosa para com as suas Irmãs.
Antes de morrer, a 20 de Setembro de 1938, deixou às
suas Irmãs, como sendo a sua última vontade e o seu testamento, uma linda
declaração: “Tudo o que Deus faz é bem feito. Seja sempre louvado e exaltado o
Senhor”.
Na noite em que morreu, a Madre Maria Teresa pediu que
lhe trouxessem a relíquia: o crucifixo que a tinha acompanhado durante todas as
suas viagens. Desde esse momento e até ao seu último suspiro, não mais a
largou. Então, de repente, ritmando as sílabas com o dedo, foi dizendo o que
seriam suas últimas palavras à Comunidade: “Tudo – o – que – Deus – faz – é –
bem – feito -. Seja – sempre – louvado - e – exaltado – o – Senhor!”
Foi como um último raio de sol de um fim de tarde,
esta sua exortação final, antes de deixar a terra. Durante toda a noite, só
teve uma oração: “Tenho de voltar à casa do Pai! Deixem-me ir para casa!”.
A Madre Maria Teresa de São José foi beatificada, no
dia 13 de Maio de 2006, na Catedral de Roermond, na Holanda, em cerimónia
solene presidida pelo Cardeal José Saraiva Martins, Prefeito da Congregação
para as Causas dos Santos, em nome do Papa Bento XVI. A memória litúrgica da
Beata Maria Teresa de São José faz-se no dia 20 de Setembro.