- Discurso, no encontro com a população, no Peru, em Puerto Maldonado - Instituto Jorge Basadre,
na Sexta-feira, 19 de Janeiro de 2018
Queridos
irmãos e irmãs!
Vejo
que viestes não só das diversas regiões desta Amazónia peruana, mas também dos
Andes e doutros países vizinhos. Como é linda a imagem da Igreja que não
conhece fronteiras e onde todos os povos podem encontrar o seu espaço! Como
precisamos destes momentos em que podemos encontrar-nos e, independentemente da
proveniência, encorajar-nos a gerar uma cultura do encontro que nos renova na
esperança.
Obrigado,
D. David, pelas suas palavras de boas-vindas. Obrigado, Arturo e Margarita, por
terdes partilhado as vossas experiências com todos nós. Eles disseram-nos:
«Visita-nos nesta terra tão esquecida, ferida e marginalizada...mas não somos
terra de ninguém». Obrigado por no-lo terdes dito: não somos terra de ninguém.
É algo que é preciso dizer com força: vós não sois terra de ninguém. Esta terra
tem nomes, tem rostos: tem-vos a vós.
A
região é designada com o nome muito belo de «Madre de Dios [Mãe de Deus]». Não
posso deixar de fazer menção a Maria, jovem mulher que vivia numa aldeia
remota, perdida, considerada também por muitos como «terra de ninguém». Lá,
recebeu Ela a saudação e o convite maior que uma pessoa pode experimentar: ser
a Mãe de Deus; há alegrias que só as podem escutar os pequeninos.
Vós
tendes em Maria, não só uma testemunha para quem olhar, mas uma Mãe e, onde
houver uma mãe, não existe esse mal terrível de sentir que não pertencemos a
ninguém, esse sentimento que nasce quando começa a desaparecer a certeza de
pertencer a uma família, a um povo, a uma terra, ao nosso Deus. Queridos
irmãos, a primeira coisa que gostaria de vos transmitir – e quero fazê-lo com
força – é que esta não é uma terra órfã, é a terra da Mãe! E, se há uma mãe, há
filhos, há família e há comunidade. E onde há mãe, família e comunidade, os problemas
poderão não desaparecer, mas certamente encontra-se força para os enfrentar de
maneira diferente.
É
triste constatar que há alguns que querem apagar esta certeza e tornar a Madre
de Dios uma terra anónima, sem filhos, uma terra infecunda. Um lugar que se
deixe facilmente vender e explorar. Por isso, faz-nos bem repetir nas nossas
casas, nas comunidades, no mais fundo do coração de cada um: esta não é uma
terra órfã! Tem uma Mãe! Esta boa notícia é transmitida de geração em geração,
graças ao esforço de muitos que partilham este dom de saber que somos filhos de
Deus, e ajuda-nos a reconhecer o outro como irmão.
Já,
em várias ocasiões, me referi à cultura do descarte. Uma cultura que não se
contenta apenas com excluir – como estávamos habituados a pensar –, mas que
cresceu silenciando, ignorando e rejeitando tudo o que não serve aos seus
interesses; parece que o consumismo alienante de alguns não consegue perceber a
dimensão do sofrimento sufocante de outros. A cultura do descarte é uma cultura
anónima, sem laços, nem rostos. Uma cultura sem mãe, que só quer consumir. A
terra é tratada dentro desta lógica. As florestas, os rios e as torrentes são
aproveitados, utilizados até ao último recurso, e depois deixados como baldios
e inúteis. As próprias pessoas são tratadas com esta lógica: são usadas até ao esgotamento
e depois deixadas como «inúteis». Esta é a cultura do descarte: descartam-se as
crianças, descartam-se os idosos. Lá, na entrada, quando vinha para aqui,
estava uma avó de 97 anos: devemos descartar aquela avó? Não! Porque a avó tem
a sabedoria dum povo. Um aplauso para a avó de 97 anos!
A
propósito: permiti que me detenha num assunto doloroso. Habituamo-nos a usar a
expressão «tráfico de pessoas». Quando cheguei a Puerto Maldonado, vi, no
aeroporto, um cartaz que me impressionou positivamente: «Atenção ao tráfico de
pessoas». É sinal de que se está a tomar consciência. Mas, na realidade,
deveríamos falar de escravatura: escravatura laboral, escravatura sexual,
escravatura com o objectivo do lucro. É triste constatar como, nesta terra que
está sob a protecção da Mãe de Deus, muitas mulheres sejam tão desvalorizadas,
desprezadas e sujeitas a violências sem fim. Não podemos «olhar como normal» a
violência, tomá-la como uma coisa natural. Não, não se «considere normal» a
violência contra as mulheres, mantendo uma cultura machista que não aceita o
papel de protagonista da mulher nas nossas comunidades. Não nos é lícito virar
cara para o outro lado, irmãos, e deixar que tantas mulheres, especialmente adolescentes,
sejam «espezinhadas» na sua dignidade.
Várias
pessoas emigraram para a Amazónia à procura de tecto, terra e trabalho. Vieram
à procura dum futuro melhor para elas mesmas e para a sua família. Abandonaram
a sua vida humilde, pobre, mas digna. Muitas delas, com a promessa de que
certos trabalhos poriam termo a situações precárias, basearam-se no brilho
promissor da extracção do ouro. Mas não esqueçamos que o ouro se pode tornar
num falso deus, que pretende sacrifícios humanos.
Os
falsos deuses, os ídolos da avareza, do dinheiro, do poder corrompem tudo.
Corrompem a pessoa e as instituições; e destroem também a floresta. Jesus dizia
que há demónios que, para serem expulsos, se requer muita oração. Este é um
deles. Encorajo-vos a continuar a organizar-vos em movimentos e comunidades de
todos os tipos, para procurar superar estas situações; e também a
organizar-vos, a partir da fé, como comunidades eclesiais que vivem ao redor da
pessoa de Jesus. A partir da oração sincera e do encontro cheio de esperança
com Cristo, poderemos obter a conversão que nos faça descobrir a vida
verdadeira. Jesus prometeu-nos vida verdadeira, vida autêntica, vida eterna;
não vida fictícia, como as falsas promessas que encandeiam e que, prometendo
vida, acabam por nos levar à morte.
Irmãs
e irmãos, a salvação não é genérica, não é abstrata. O nosso Pai vê pessoas
concretas, com rosto e história concretos; e todas as comunidades cristãs devem
ser reflexo deste olhar de Deus, desta presença que cria laços, gera família e
comunidade. É uma maneira de tornar visível o Reino dos Céus, comunidade onde
cada um se sinta participante, se sinta chamado pelo seu nome e incentivado a
ser artífice de vida para os outros.
Tenho
esperança em vós… Ao efectuar a caminhada para aqui, vi muitas crianças e, onde
há crianças, há esperança. Obrigado! Tenho esperança em vós, no coração de
tantas pessoas que desejam uma vida abençoada. Viestes procurá-la aqui, onde se
encontra uma das explosões de vida mais exuberantes do planeta. Amai esta
terra, senti-a vossa. Odorai-a, ouvi-a, maravilhai-vos com ela. Enamorai-vos
desta terra Madre de Dios, comprometei-vos a salvaguardá-la, a defendê-la. Não
a useis como mero objecto que se pode descartar, mas como um verdadeiro tesouro
a desfrutar, fazer crescer e transmitir aos vossos filhos.
Encomendemo-nos
a Maria, Mãe de Deus e Mãe Nossa, e coloquemo-nos sob a sua protecção. E, por
favor, não vos esqueçais de rezar por mim. Agora convido-vos todos a rezar à
Mãe de Deus: «Ave Maria…» (cf.
Santa Sé)