- HOMILIA DE D. ANTÓNIO TAIPA,
ADMINISTRADOR DIOCESANO DO PORTO,
NA QUARTA-FEIRA DE CINZAS
Iniciamos
a Quaresma. É um particular tempo de graça. Tempo carregado de força simbólica.
Faz-nos recuar aos quarenta anos de deserto, do povo da antiga aliança. Tempo
maravilhoso. De provações e de experiência das mais belas maravilhas de Deus,
realizadas a favor daquela pobre gente resgatada do Egipto. Tempo de verdade,
ou da verdade. Da grandeza e da infinita misericórdia de Deus, e da fraqueza e
infidelidade do povo. Tempo de passagem da escravatura à liberdade. Do não ser
ao ser povo de Deus.
Tempo
que nos conduz aos quarenta dias de Jesus no deserto. Em que se nos revela como
o verdadeiro Israel, fiel à palavra e vontade de Deus. Será por enxerto n'Ele
que se há-de constituir o Novo Povo, o Povo da Nova aliança. Tempo de oração e
penitência em que Jesus se prepara para o seu ministério público.
Diversos
momentos da História da salvação à luz dos quais somos convidados a rever-nos.
É
tempo que, como augura o Papa Francisco, somos chamados a viver com alegria e
em verdade. Homens de verdade. Homens fiéis a si mesmos, fiéis a Deus e aos
irmãos.
Começa
com este rito da imposição das cinzas que nos projecta para uns quarenta dias
de particular penitência e esforço de conversão. É um grande pedido de Deus. A
súplica sofrida do seu amor materno. “Convertei-vos a mim de todo o
coração", diz o Senhor pela boca do profeta. “Reconciliai-vos com
Deus", recomenda Paulo.
Porque
Deus é clemente e compassivo, paciente e misericordioso" revela Joel. Não
sou eu, recorda Paulo, é Cristo de quem sou embaixador que vos pede.
A
preocupação de Deus à procura do homem que lhe foge.
É
isto, o nosso Deus, um Deus que ama. Que ama porque ama. Que ama porque é Ele.
Porque é amor. É dom. Um Deus que ama até à loucura do dom do seu Filho, ou do
dom que faz de si mesmo no Filho que entrega até á morte, pelos homens que
procura.
A
resposta que espera de nós vai significar-se e viver-se, vai tomar corpo, na
tradicional prática da oração que se procura mais intensa e com mais tempo, da
esmola e do jejum.
A
conversão acontece na convergência duma assumida consciência da própria
fraqueza e infidelidade, e duma fé firme na indestrutível misericórdia de Deus.
Desse tremer, desse abalarem-se das entranhas da mãe diante dos perigos que vê
correr os filhos que ama visceralmente.
Conversão
que é um voltar-se para Deus, para o irmão e para a própria criação à qual
tantas vezes mostramos as nossas costas. Assim parece entender-se aquela antiga
prática quaresmal.
A oração. O diálogo com Deus. A conversa com o
Pai que se procura para O ouvir no que tem para nos dizer, e para lhe
confidenciarmos a nossa vida. Para lhe dizermos como vão as coisas. Os nossos
projectos, as nossas esperanças, e os nossos medos. As nossas realizações, e os
insucessos. Tudo. Ele sabe tudo, mas nós precisamos de lho dizer.
Pobres
que somos, precisamos d’Ele, da sua palavra, da sua ajuda, da sua presença. É
nele, de facto, que somos e vivemos, que nos movemos e existimos. Sem ele não
somos, não nos encontramos, não crescemos. Não vivemos.
Como
nos diz, o nosso Papa Francisco, "dedicando mais tempo à oração,
possibilitamos ao nosso coração descobrir as mentiras secretas, com que nos
enganamos a nós mesmos, para procurar finalmente a consolação em Deus. Ele é
nosso Pai e quer para nós a vida". É caminho de verdade, a oração.
É
neste contexto que queremos ouvir em filial acolhimento, o nosso Santo Padre na
proposta que nos deixa das "24 horas para o Senhor", com a celebração
do Sacramento da Reconciliação, nos dias 9 e 10 de Março.
A esmola. Partilhar com os irmãos o que somos
e temos, o que podemos e sabemos. O sairmos de nós próprios, como gosta de
dizer o Papa Francisco; o sairmos do que são as nossas coisas e coisitas que,
tantas vezes, nos escravizam, nos prendem e nos isolam, para ir ao encontro do
outro, na sua necessidade.
Dar
a mão ao outro, para com ele, lutarmos por uma vida melhor, mais digna, mais
consentânea com a dignidade humana.
Tendo
valor em si mesmo, tudo isto há-de ser, sobretudo, um sinal daquilo a que todos
somos chamados na construção da sociedade que somos e em que vivemos. Assente
no cuidado para com o outro, na solidariedade, no amor.
Neste
espírito, o contributo penitencial, a nossa partilha, nesta quaresma, será para
o Fundo Solidário Diocesano e para apoio a um Orfanato das irmãs Marianitas, na
Guiné-Bissau.
O
jejum. Antes de mais, o jejum permite-nos "experimentar o que sentem
quantos não possuem sequer o mínimo necessário, provando dia-a-dia as
mordeduras da fome", diz-nos o Santo Padre. Com ele, significamos ainda a
nossa entrega a Deus, e a consciência de que é dele que dependemos, é dele que
haurimos vida.
E
o jejum significa também, e nessa mesma linha, a nossa liberdade em relação a
tudo o que a terra produz; que não nos deixamos prender, nem dominar, por nada
do que ela dá e pode dar e, ao mesmo tempo, o nosso respeito por esta Terra que
é a casa comum e que somos chamados a respeitar e a cuidar, criada para o bem
de todos.
Na
perspetiva do Papa Francisco, será este o caminho para uma quaresma vivida com
alegria e em verdade. Neste esforço, sermos aquilo que somos chamados a ser: um
Povo que, enxertado em Jesus, dele se alimenta e com ele caminha para o Pai, a
fonte e a meta de tudo.