PALAVRA COM SENTIDO

PALAVRA COM SENTIDO “Vós sois edifício de Deus.” (cf. I Coríntios 3, 9) A liturgia faz-nos celebrar hoje a Dedicação da Basílica Lateranense, chamada "mãe e cabeça de todas as igrejas da cidade e do mundo". De facto, esta Basílica foi a primeira a ser construída depois do édito do Imperador Constantino que, em 313, concedeu aos cristãos a liberdade de praticar a sua religião. O mesmo Imperador doou ao Papa Melquíades a antiga propriedade da família dos Lateranenses e nela fez construir a Basílica, o Baptistério e a "Patriarquia", ou seja, a residência do Bispo de Roma, onde os Papas habitaram até ao período de Avinhão. A dedicação da Basílica foi celebrada pelo Papa Silvestre por volta de 324 e o templo foi intitulado ao Santíssimo Salvador; só depois do século VI foram acrescentados os títulos dos Santos João Baptista e João Evangelista, que deram origem à comum denominação. Esta data era celebrada primeiramente só na cidade de Roma; depois, a partir de 1565, alargou-se a todas as Igrejas de rito romano. Desta forma, honrando o edifício sagrado, pretende-se expressar amor e veneração à Igreja romana que, como afirma Santo Inácio de Antioquia, "preside na caridade" toda a comunhão católica. A Palavra de Deus, nesta solenidade, recorda uma verdade fundamental: o templo de pedra é símbolo da Igreja viva, a comunidade cristã, que já os Apóstolos Pedro e Paulo, nas suas cartas, identificavam - como "edifício espiritual", construído por Deus com "pedras vivas" - os cristãos, alicerçados em Jesus Cristo, que é a "pedra angular". "Irmãos, vós sois edifício de Deus", escreve São Paulo e acrescenta: "santo é o templo de Deus, que sois vós" (1 Cor 3, 9.17). A beleza e a harmonia das igrejas, destinadas a prestar louvor a Deus, convida-nos, também - seres humanos, limitados e pecadores - a convertermo-nos para formar um "cosmos", uma construção bem ordenada, em estreita comunhão com Jesus, que é o verdadeiro Santo dos Santos. Isto aconteceu de modo culminante na liturgia eucarística, na qual a "ecclesía", isto é, a comunidade dos baptizados, se reúne para ouvir a Palavra de Deus e para se alimentar do Corpo e Sangue de Cristo. Em volta desta dúplice mesa, a Igreja de pedras vivas edifica-se na verdade e na caridade e é plasmada interiormente pelo Espírito Santo transformando-se no que recebe, conformando-se cada vez mais com o seu Senhor Jesus Cristo. Ela mesma, se vive na unidade sincera e fraterna, torna-se, assim, sacrifício espiritual agradável a Deus. Queridos amigos, a festa de hoje celebra um mistério sempre actual: isto é, que Deus quer edificar no mundo um templo espiritual, uma comunidade que O adore em espírito e verdade (cf. Jo 4, 23-24). Mas, esta celebração recorda, também, a importância dos edifícios materiais, nos quais as comunidades se reúnem para celebrar o louvor de Deus. Cada comunidade tem, portanto, o dever de conservar com cuidado os próprios edifícios sagrados, que constituem um precioso património religioso e histórico. Invoquemos então a intercessão de Maria Santíssima, para que nos ajude a tornar-nos como Ela, "casa de Deus", templo vivo do seu amor. (cf. Papa Bento XVI, na Oração do Angelus, Praça de São Pedro, Roma, no Domingo 9 de Novembro de 2008)

segunda-feira, 14 de maio de 2018

EM DESTAQUE



- SEMANA DA VIDA: 13-20 MAIO

Decorre, de 13 a 20 de Maio, a Semana da Vida. O tema oficial é: “Eutanásia… O que está em jogo?”. Os responsáveis por esta iniciativa consideraram importante retomar o documento publicado pela Conferência Episcopal Portuguesa em 2016, ‘Eutanásia: o que está em jogo? Contributos para um diálogo sereno e humanizador’.
O objectivo é levar os cidadãos, em geral, e os cristãos, em particular, a aprofundar o que está em causa, procurando distinguir os conceitos; conhecer mais claramente o que a Igreja defende e propõe. Os cristãos lêem a vida a partir da Palavra de Jesus e, por isso, procuram iluminar as decisões humanas com a Luz de Cristo de modo que a vida seja acolhida na sua beleza, no seu autêntico sentido e valor e seja digna de ser vivida.
Para ajudar a uma séria reflexão, apresentamos texto do Sr. D. Manuel Linda, Bispo do Porto.

- PALAVRA DO BISPO DO PORTO


Eutanásia:
pequeno contributo para um diálogo cultural sério

Como é sabido, no próximo dia 29, a Assembleia da República irá debater vários projetos de lei sobre a eutanásia. Porque o tema interessa a todos, apresento alguns pontos de reflexão, pequeníssimo contributo para um debate que se deseja racional, sério e humanizante.

1.Até há cerca de uma década, quando se falava na eutanásia, colocava-se a tónica na ideia de «misericórdia», aliás presente na etimologia da palavra: perante o sofrimento, apressar-se-ia a morte de outrem para lhe retirar a dor. Neste caso, o decisor da ação era alguém diferente daquele que a sofria. Atualmente, fala-se em “morte digna” e em “morte assistida” como direito que o próprio reivindica para si. Então, agora, sujeito e objeto identificar-se-iam.
Deixando de lado uma reflexão sobre o logro filosófico do individualismo ou da ideia de que somos simplesmente «mónadas» sem qualquer relação com os outros, é de acentuar duas ideias: como, em tão pouco tempo, se decaiu do valor «misericórdia» para a mera «vontade» momentânea; e o desprezo das condições objetivas, isto é, o saber-se se o interessado está ou não em condições de formular um juízo fiável, fazendo repousar uma decisão irreversível num estado de espírito que, completamente alterado pela dor física ou pelo sofrimento moral do abandono, não pode ser efetivamente livre e consciente. Neste caso, na prática, exigir-se-iam menos condições para pedir a eutanásia do que, por exemplo, para formular um testamento válido.

2.Em paralelo com esta «evolução», é de acentuar a dinâmica social da fragmentação das relações familiares, expressa no estandardizado recurso ao internamento dos mais velhos em lares e casas de recolhimento, muitas vezes evitáveis, no corte afetivo com os pais e avós, quando não no frequente abandono puro e simples. Creio, pois, que, embora não numa relação exclusiva, a mentalidade subjacente a uma tem muito a ver com a outra.
Perante isto, a sociedade tem de se interrogar se a frieza das relações é inevitável, se sob a capa da defesa do «direito a morrer com dignidade» não se esconde o mais cruel «descarte» daqueles em quem não se está interessado e se se gasta a mesma energia e dedicação no cuidado dos anciãos e doentes que se usa para defender a «morte a pedido». E, basicamente, tem de se perguntar se, quando alguém diz que quer morrer, essa linguagem é unívoca ou não estará antes a lançar um grito de acusação àqueles que, «criminosamente», lhe negam o conforto e a proximidade afetiva, até porque, hoje, os modernos analgésicos suprimem praticamente toda a dor física.

3.Este assunto entra no que se convencionou designar por “temas fraturantes”. E o qualificativo deveria obrigar a pensar: em concreto, neste caso, que é que se fratura? Não é simplesmente o posicionamento entre os que são a favor e contra. É toda uma teia de relações sociais que se rompe: a confiança na medicina, o pavor de associar doença e velhice com a possibilidade de ser eutanasiado, a negação do velho princípio estruturante da ética médica do “primum non nocere” (primeiro, não prejudicar), a desconfiança nas relações familiares, os interesses escondidos por detrás de uma falsa piedade, o remorso perante uma situação violenta e irreversível, etc.
Mas, fundamentalmente, o que mais deveria preocupar os dirigentes sociais é o desaparecimento da ética, estrutura estabilizadora da sociedade, com o consequente confiar ao direito toda a força da regulamentação. É que este só se impõe pela força do direito… penal. O direito é bom, mas desde que não se torne exclusivo: ao confiar-lhe a totalidade da normalização social, abdicamos da força da liberdade constituinte da pessoa em detrimento da normativa exterior e coercitiva. O que vai sempre desembocar no positivismo jurídico, isto é, na aplicação fria da normativa, sem comiseração nem contemplações, como demonstrou o recente caso da criança inglesa Alfie Evans. A eutanásia representa, portanto, um terrível abaixamento do «tónus» moral da sociedade com consequências que, a médio prazo, podem ser dramáticas.

4.O tema da eutanásia sobrepassa, portanto, o mero reducionismo ao costumado chavão do “quem não concorda não é obrigado a fazer”: exprime uma mentalidade que tem a ver com a própria conceção da pessoa e da sociedade. Manifesta, de facto, uma cultura que parece «cansada», demitida de procurar a verdade e o bem e, como tal, reduzida ao simplismo demissionário do mais fácil, do meramente individual e volitivo, cultura em declínio que corre o risco de conduzir à desagregação social. Por algum motivo se fala tanto do «eclipse do Ocidente» e se observa a mutação hegemónica dos países «emergentes», os quais, curiosamente, não colocam estas questões «burguesas».
No preciso momento em que este assunto passou para a ordem do dia, a comunicação social está a referir um dado profundamente monstruoso: que, nos cerca de nove milhões de portugueses que habitamos o interior destas fronteiras, dois milhões e quatrocentos mil ou são pobres ou estão em risco de pobreza. Mais de um quarto da população! Este sim, é o tema que deveria preocupar os dirigentes sociais. E, para nossa desgraça, não se vislumbra um projeto mobilizador e entusiasmante que nos leve a melhorar este estado de coisas. Pelo contrário, parece dar-se como inevitável a submissão a uma crescente desigualdade social em que uns poucos ficam com quase tudo e a multidão dos jovens, dos débeis, dos velhos e de tantas famílias que têm de sobreviver com o salário mínimo apenas se contentam com «as migalhas que caem da sua mesa».
Espera-se, consequentemente, que as decisões a tomar sejam fruto de uma sadia cultura ético-social e não de qualquer pretensa «modernidade» que outra coisa não é do que o regresso ao pior dos passados. Espera-se muito da responsabilidade ética dos nossos deputados.

Porto, 9 de Maio de 2018
+ Manuel, Bispo do Porto