- na Audiência-Geral, na Praça São Pedro, Roma,
no dia 20 de Junho de 2018
Queridos
irmãos e irmãs, bom dia!
Esta
audiência realiza-se em dois lugares: nós, aqui na praça; e, na sala Paulo VI,
há mais de 200 doentes, que acompanham a audiência através do grande ecrã.
Todos juntos formamos uma comunidade. Saudemos com um aplauso quantos estão na
Sala.
Na
quarta-feira passada, demos início a um novo ciclo de catequeses sobre os
mandamentos. Vimos que o Senhor Jesus não veio para abolir a Lei, mas para a
cumprir. Contudo, devemos entender melhor esta perspectiva.
Na
Bíblia, os mandamentos não vivem por si sós, mas fazem parte de um
relacionamento, de uma relação. O Senhor Jesus não veio para abolir a Lei, mas
para a cumprir. Existe esta relação de Aliança entre Deus e o seu Povo. No
início do capítulo 20, do livro do Êxodo, lemos - e isto é importante - «Deus
pronunciou todas estas palavras» (v. 1).
Parece
uma abertura como outras mas, na Bíblia, nada é banal. O texto não diz: “Deus
pronunciou estes mandamentos”, mas «estas palavras». A tradição judaica chamará
sempre ao Decálogo “as dez Palavras”. E o termo “decálogo” quer dizer exactamente
isso. Contudo, têm forma de leis, objectivamente são mandamentos. Portanto, por
que o Autor sagrado usa, precisamente aqui, o termo “dez palavras”? Por que não
diz “dez mandamentos”?
Que
diferença existe entre um ‘mando’ (uma ordem) e uma palavra? O ‘mando’ é uma
comunicação que não requer o diálogo. A palavra, ao contrário, é o meio
essencial do relacionamento como diálogo. Deus Pai cria por meio da sua palavra;
e o seu Filho é a Palavra que se fez carne. O amor alimenta-se de palavras,
como também a educação ou a colaboração. Duas pessoas que não se amam, não
conseguem comunicar-se. Quando alguém fala ao nosso coração, a nossa solidão
acaba. Recebe uma palavra, verifica-se a comunicação; e os mandamentos são
palavras de Deus: Deus comunica-se nestas dez Palavras e aguarda a nossa
resposta.
Uma
coisa é receber uma ordem; outra coisa é sentir que alguém procura falar
connosco. Um diálogo é muito mais que a comunicação de uma verdade. Eu posso
dizer-vos: “Hoje, é o último dia de primavera, primavera quente; mas, hoje, é o
último dia”. Esta é uma verdade, não um diálogo. Mas, se eu vos disser: “Que
pensais desta primavera?”, começo um diálogo. Os mandamentos são um diálogo. A
comunicação realiza-se pelo prazer de falar e pelo bem concreto que se comunica
entre aqueles que se amam por meio das palavras. É um bem que não consiste em
coisas, mas nas próprias pessoas que se doam, reciprocamente, no diálogo (cf.
Exort. Apost. Evangelii gaudium, 142).
Mas,
esta diferença não é algo artificial. Vejamos o que aconteceu, no início. O
tentador, o diabo, quer enganar o homem e a mulher neste ponto: quer
convencê-los de que Deus lhes proibiu comer o fruto da árvore do bem e do mal,
para os manter submissos. O desafio consiste exactamente nisto: a primeira
norma que Deus ofereceu ao homem foi a imposição de um déspota que proíbe e
obriga, ou foi o esmero de um pai que cuida dos seus filhos e os protege contra
a autodestruição? É uma palavra, ou uma ordem? A mais trágica das várias
mentiras que a serpente diz a Eva é a sugestão de uma divindade invejosa: “Mas
não, Deus é invejoso de vós”; de uma divindade possessiva: “Deus não quer que
tenhais liberdade”. Os acontecimentos demonstram dramaticamente que a serpente
mentiu (cf. Gn 2, 16-17; 3, 4-5), levando a crer que uma palavra de amor fosse
uma ordem.
O
homem está diante desta encruzilhada: Deus impõe-me as coisas, ou cuida de mim?
Os seus mandamentos são apenas uma lei, ou contêm uma palavra, para cuidar de
mim? Deus é patrão ou Pai? Deus é Pai: nunca vos esqueçais disto! Até nas
situações mais negativas, pensai que temos um Pai que ama todos nós. Somos
vassalos ou filhos? Este combate, dentro e fora de nós, apresenta-se
continuamente: temos de escolher, muitas vezes, entre uma mentalidade de escravos
e uma mentalidade de filhos. A ordem é do patrão; a palavra é do Pai.
O
Espírito Santo é um Espírito de filhos; é o Espírito de Jesus. Um espírito de
escravos não pode deixar de receber a Lei de modo opressivo, e pode produzir
dois resultados opostos: ou uma vida feita de deveres e de obrigações, ou então
uma reacção violenta de rejeição. O Cristianismo é a passagem da letra da Lei
para o Espírito que vivifica (cf. 2 Cor 3, 6-17). Jesus é a Palavra do Pai, não
a condenação do Pai. Jesus veio para salvar com a sua Palavra, não para nos
condenar.
Vê-se
quando um homem ou uma mulher vivem ou não esta passagem. As pessoas dão-se
conta quando o cristão raciocina como filho ou como escravo. E, nós mesmos,
recordamos se os nossos educadores cuidaram de nós como pais e mães, ou se
somente nos impuseram regras. Os mandamentos são o caminho para a liberdade,
porque constituem a palavra do pai que nos liberta neste caminho.
O
mundo não tem necessidade de legalismo, mas de cuidado. Precisa de cristãos com
coração de filhos. Há necessidade de cristãos com coração de filhos: não vos esqueçais
disto! (cf. Santa Sé)