PALAVRA COM SENTIDO

PALAVRA COM SENTIDO “… Os meus olhos viram a Salvação…” (cf. Lucas 2, 30) “…A hodierna festa da Apresentação de Jesus no Templo, quarenta dias depois do seu nascimento, apresenta diante dos nossos olhos um momento particular da vida da Sagrada Família: segundo a lei moisaica, o menino Jesus é levado por Maria e José ao templo de Jerusalém para ser oferecido ao Senhor (cf. Lc 2, 22). Simeão e Ana, inspirados por Deus, reconhecem naquele Menino o Messias tão esperado e profetizam sobre Ele. Estamos na presença de um mistério, ao mesmo tempo simples e solene, no qual a Santa Igreja celebra Cristo, o Consagrado do Pai, primogénito da nova humanidade. A sugestiva procissão dos Círios no início da nossa celebração fez-nos reviver a majestosa entrada, cantada no Salmo responsorial, d’Aquele que é «o rei da glória» (Sl 23, 7-8). Mas quem é o Deus poderoso que entra no Templo? É um Menino; é o Menino Jesus, entre os braços da sua mãe, a Virgem Maria. A Sagrada Família cumpre tudo o que a Lei prescrevia: a purificação da mãe, a oferenda do primogénito a Deus e o seu resgate mediante um sacrifício. Na primeira Leitura a Liturgia fala do oráculo do profeta Malaquias: «Imediatamente entrará no seu santuário o Senhor» (Mal 3, 1). Estas palavras comunicam toda a intensidade do desejo que animou a expectativa da parte do povo hebreu ao longo dos séculos. Entra finalmente na sua casa «o cordeiro da aliança» e submete-se à Lei: vai a Jerusalém para entrar, em atitude de obediência, na casa de Deus. O significado deste gesto adquire uma perspectiva mais ampla no trecho da Carta aos Hebreus, proclamado hoje como segunda Leitura. Nele é-nos apresentado Cristo, o mediator que une Deus e o homem abolindo as distâncias, eliminando qualquer divisão e abatendo todos os muros de separação. Cristo vem como novo «sumo-sacerdote misericordioso e fiel no serviço de Deus, para expiar os pecados do povo» (Hb 2, 17). Observamos assim que a mediação com Deus já não se realiza na santidade-separação do sacerdócio antigo, mas na solidariedade libertadora com os homens. Ele inicia, ainda Criança, a andar pelo caminho da obediência, que percorrerá até ao fim. Ressalta bem isto a Carta aos Hebreus quando diz: «Quando vivia na carne, ofereceu...orações e súplicas... Apesar de ser Filho de Deus, aprendeu a obedecer, sofrendo e, uma vez atingida a perfeição, tornou-se para todos os que Lhe obedecem fonte de salvação eterna» (cf. Hb 5, 7-9). A primeira pessoa que se une a Cristo no caminho da obediência, da fé provada e do sofrimento partilhado é a sua mãe, Maria. O texto evangélico mostrano-la no gesto de oferecer o Filho: uma oferenda incondicional que a envolve em primeira pessoa: Maria é a Mãe d’Aquele que é «glória do seu povo, Israel» e «luz que ilumina as nações» (cf. Lc 2, 32.34). E ela mesma, na sua alma imaculada, deverá ser trespassada pela es-pada do sofrimento, mostrando assim que o seu papel na história da salvação não termina no mistério da Encarnação, mas se completa na amorosa e dolorosa participação na morte e na ressurreição do seu Filho. Levando o Filho a Jerusalém, a Virgem Mãe oferece-o a Deus como verdadeiro Cordeiro que tira os pecados do mundo: apresenta-o a Simeão e a Ana como anúncio de redenção; apresenta-o a todos como luz para um caminho seguro pela via da verdade e do amor. As palavras que neste encontro vêm aos lábios do idoso Simeão - «Os meus olhos viram a tua salvação» (Lc 2, 30) - encontraram eco no coração da profetiza Ana. Estas pessoas justas e piedosas, envolvidas pela luz de Cristo, podem contemplar no Menino Jesus «a consolação de Israel» (Lc 2, 25). A sua expectativa transforma-se assim em luz que ilumina a história. Simeão é portador de uma antiga esperança e o Espírito do Senhor fala ao seu coração: por isso pode contemplar aquele que muitos profetas e reis tinham desejado ver, Cristo, luz que ilumina as nações. Reconhece naquele Menino o Salvador, mas intui no espírito que em seu redor se jogará o destino da humanidade, e que deverá sofrer muito por parte de quantos o rejeitarão; proclama a sua identidade e a missão de Messias com as palavras que formam um dos hinos da Igreja nascente, do qual irradia toda a exultação comunitária e escatológica da expectativa salvífica realizada. O entusiasmo é tão grande que viver e morrer são a mesma coisa, e a «luz» e a «glória» tornam-se uma revelação universal. Ana é «profetiza», mulher sábia e piedosa que interpreta o sentido profundo dos acontecimentos históricos e da mensagem de Deus neles escondido. Por isso pode «louvar a Deus» e falar «do Menino a todos os que esperavam a libertação de Jerusalém» (Lc 2, 38). A prolongada viuvez dedicada ao culto no templo, a fidelidade aos jejuns semanais, a participação na expectativa de quantos aspiravam pelo resgate de Israel concluem-se no encontro com o Menino Jesus. Queridos irmãos e irmãs: nesta festa da Apresentação do Senhor, a Igreja celebra o Dia da Vida Consagrada. Trata-se de uma ocasião oportuna para louvar o Senhor e agradecer-lhe pelo dom inestimável que a vida consagrada representa nas suas diferentes formas; é ao mesmo tempo um estímulo a promover em todo o povo de Deus o reconhecimento e a estima por quem se consagrou totalmente a Deus. De facto, como a vida de Jesus, na sua obediência e dedicação ao Pai, é parábola viva do «Deus connosco», também a dedicação concreta das pessoas consagradas a Deus e aos irmãos torna-se sinal eloquente da presença do Reino de Deus, no mundo de hoje. O vosso modo de viver e de trabalhar é capaz de manifestar sem atenuações a plena pertença ao único Senhor; a vossa entrega total nas mãos de Cristo e da Igreja é um anúncio forte e claro da presença de Deus numa linguagem compreensível para os nossos contemporâneos. É este o primeiro serviço que a vida consagrada presta à Igreja e ao mundo. No meio do Povo de Deus, eles são como sentinelas que distinguem e anunciam a vida nova já presente na nossa história. Dirijo-me, agora, de modo especial, a vós, queridos irmãos e irmãs que abraçastes a vocação de especial consagração, para vos saudar com afecto e vos agradecer de coração a vossa presença. (…) O Senhor renove todos os dias em vós e em todas as pessoas consagradas a resposta jubilosa ao seu amor gratuito e fiel. Queridos irmãos e irmãs, como círios acesos, irradiai, sempre e em toda a parte, o amor de Cristo, luz do mundo. Maria Santíssima, a Mulher consagrada, vos ajude a viver plenamente esta vossa especial vocação e missão na Igreja para a salvação do mundo…” (Papa Bento XVI, Homilia da Festa da Apresentação do Senhor, 2 de Fevereiro de 2006)

sábado, 18 de maio de 2024

SANTOS POPULARES

 


BEATOS MANUEL GÓMEZ GONZÁLEZ (sacerdote) e ADÍLIO DARONCH

 

Estamos mais habituados a ver sacerdotes e acólitos, juntos à volta do altar, do que a vê-los subir juntos à glória dos altares. Desde o dia 21 de Outubro de 2007, porém, isso já não acontece, porque, com a beatificação do Padre Manuel Gómez González e do jovem Adílio Daronch, a Igreja demonstrou que o pároco e o acólito, se forem capazes de viver o sacramento que celebram juntos, podem realmente tornar-se santos juntos.

Manuel Gómez González nasceu no dia 29 de Maio de 1877, em São José de Ribarteme, perto de Pontevedra, na diocese de Tuy, Espanha. Ele era o filho mais velho de José Gómez Rodríguez e Josefa González Durán. Foi baptizado no mesmo dia do seu nascimento, na paróquia da sua cidade. Recebeu a Confirmação no dia 20 de Setembro de 1878.

Depois de frequentar a escola primária, na sua cidade natal, entrou no Seminário Menor de São Pelágio, em Tuy. Depois dos estudos no Seminário Maior, recebeu, em 24 de Maio de 1902, a ordenação presbiteral e começou a exercer o ministério sacerdotal, na sua diocese. A partir de 1904 foi acolhido, a seu pedido, na diocese de Braga, Portugal, tornando-se pároco de Valdevez e depois, em 1911, de Monção.

Com a instauração da República, começaram a surgir graves problemas políticos e religiosos em Portugal. Então, o Padre Manuel foi autorizado a partir para o Brasil, em 1913.

Após uma passagem breve pelo Rio de Janeiro, foi acolhido pelo Bispo D. Miguel de Lima Valverde, na diocese de Santa Maria (Rio Grande do Sul).

Por pouco tempo, foi nomeado pároco de Soledade. Em 7 de Dezembro de 1915, foi-lhe confiada a imensa paróquia de Nonoai, quase uma pequena diocese: aqui, desenvolveu um trabalho pastoral tão intenso que, em oito anos, mudou a face da paróquia, cuidando também dos índios e, às vezes, também tendo que cuidar da vizinha freguesia de Palmeiras de Missões, como administrador. O Padre Manuel dedica-se, de alma e coração, a catequizar, a celebrar e a pregar (tanto que a igreja voltou a encher-se), mas, ao mesmo tempo, declara guerra ao analfabetismo e, por isso, abriu uma escola gratuita, na paróquia, frequentada pelos filhos dos pobres, que eram a grande maioria dos seus paroquianos.

Dado que o seu povo precisa de trabalho e de pão e que ambos são escassos, ele tornou-se, também, empresário, graças ao espírito de iniciativa que levou consigo da Europa. Montou um forno para cozer tijolos, com o qual constrói casas para os sem-abrigo; reparou a residência paroquial e restaurou a igreja: há muitos trabalhadores que, assim, podem garantir o pão às suas famílias, enquanto outros são encorajados e ajudados a cultivar arroz e batatas. Um padre inteligente que sabe fazer com que as pessoas o amem e que é capaz de “perder tempo” com todos para se aproximar de alguém, a qualquer custo.

Entre as famílias mais próximas do Padre Manuel está a do farmacêutico Daronch, filho de uma italiana que emigrou para o Brasil com o marido, no final do século XIX: é um homem bom, pai de 8 filhos e católico fervoroso, que, juntamente com a sua esposa, distribuíam remédios, gratuitamente, pelos mais pobres, e que faleceu, em 1923. Os seus ensinamentos e, sobretudo, o seu exemplo foram um grande testemunho de fé para a sua família. Por isso, não é estranho que o seu terceiro filho, Adílio, com 15 anos quando o seu pai morreu, mostre qualidades extraordinárias: é muito sensível, atencioso, atento às necessidades dos outros. Reza com piedade e torna-se, também, no acólito mais assíduo e fiel do Padre Manuel: juntamente com ele percorre, centímetro a centímetro, a paróquia e acompanha-o nas frequentes viagens pastorais entre os índios da floresta.

Em 1924, o bispo de Santa Maria, D. Ático Eusébio da Rocha, pediu ao Padre Manuel que fosse visitar um grupo de colonos brasileiros, de origem alemã, acampados na floresta do Alto Uruguai, hoje chamada de Três Passos. Quis o destino que o homem que deveria acompanhá-lo e ser o seu guia adoecesse, repentinamente. Então, o jovem Adílio decidiu acompanhá-lo.

Depois de celebrar a Semana Santa, na freguesia de Nonoai, o Padre Manuel partiu, apesar de saber que aquela região estava a ser abalada por movimentos revolucionários: estes tinham uma tarefa a cumprir: eliminar aquele padre que é demasiado empreendedor e demasiado corajoso. E andam no seu encalço.

Inicialmente parou em Palmeria, onde administrou os sacramentos e exortou os revolucionários locais ao respeito mútuo, pelo menos em nome da fé cristã comum. No entanto, os mais extremistas não apreciaram a intervenção do sacerdote, nem o facto de ter dado sepultura cristã, por piedade, às vítimas dos bandos locais.

A viagem continuou até Braga, seguindo depois para a colónia militar da zona, onde, no dia 20 de Maio de 1924, o Padre Manuel celebrou, pela última vez, a Eucaristia. Os fiéis indígenas alertaram-no para o perigo que enfrentaria ao entrar na floresta, mas ele não os ouviu.
Juntamente com Adílio, chegou a um armazém geral, onde pediu informações de como chegar ao acampamento de Três Passos. Encontraram alguns soldados que, gentilmente, se ofereceram para acompanhá-los, mas, na verdade, tratava-se de uma armadilha, previamente, organizada.

O padre e o jovem Adílio foram levados para uma área remota da floresta: encontraram os líderes militares que estavam à sua espera. Ao chegarem a uma colina, foram amarrados a duas árvores e fuzilados. Era 21 de maio de 1924. As feras da floresta respeitaram, quase milagrosamente, os corpos dos dois mártires. Quatro dias depois, os colonos de Três Passos conseguiram encontrá-los dar-lhes sepultura. A partir de 1964, os seus restos mortais, hoje considerados verdadeiras relíquias, foram transferidos para a igreja paroquial de Nonoai.

No morro do Feijão Miúdo, foi erguido um monumento em memória deste massacre.
Os cristãos locais nunca esqueceram o testemunho heróico do pároco e do jovem acólito que morreram por amor ao Evangelho. Numerosos devotos começaram a reunir-se junto dos seus túmulos, invocando a ajuda do Senhor, por sua intercessão.

No dia 16 de Dezembro de 2006, recebendo em audiência o Cardeal José Saraiva Martins, Prefeito da Congregação para as Causas dos Santos, o Papa Bento XVI autorizou a promulgação do decreto com o qual era reconhecido o seu martírio, motivado pelo de ódio à fé cristã.
Foram beatificados no dia 21 de Outubro de 2007, no Parque Municipal de Exposições de Frederico Westphalen, em cerimónia presidida pelo Cardeal Saraiva Martins, como enviado do Santo Padre.

A memória litúrgica do Padre Manuel Gómez González e de Adílio Daronch é celebrada no dia 21 de Maio.