PALAVRA COM SENTIDO

PALAVRA COM SENTIDO “… Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim …” (cf. Marcos 7, 6) Na Liturgia da Palavra deste domingo sobressai o tema da Lei de Deus, do seu mandamento: um elemento essencial da religião judaica e também da cristã, onde encontra o seu pleno cumprimento no amor (cf. Rm 13, 10). A Lei de Deus é a sua Palavra que orienta o homem pelo caminho da vida, que o leva a sair da escravidão do egoísmo e o introduz na «terra» da verdadeira liberdade e da vida. Por isso, na Bíblia a Lei não é vista como um peso, um limite opressor, mas como o dom mais precioso do Senhor, o testemunho do seu amor paterno, da sua vontade de estar próximo do seu povo, de ser o seu Aliado e escrever com ele uma história de amor. Assim reza o israelita piedoso: «Hei-de deleitar-me nas vossas leis; / jamais esquecerei a vossa palavra. (...) Conduzi-me pelas sendas das vossas leis, porque nelas estão as minhas delícias» (Sl 119, 16.35). No Antigo Testamento, aquele que transmite ao povo a Lei em nome de Deus é Moisés. Depois do longo caminho no deserto, no limitar da terra prometida, ele exclama assim: «E agora, Israel, ouve as leis e os preceitos que hoje vos ensinarei. Ponde-os em prática para viverdes e tomardes posse da terra que o Senhor, Deus dos vossos pais, vos dará» (Dt 4, 1). Eis o problema: quando o povo se estabelece na terra e é depositário da Lei, sente-se tentado a depositar a sua segurança e a sua alegria em algo que já não é a Palavra do Senhor: nos bens, no poder e noutras «divindades» que, na realidade, são vãs, são ídolos. Sem dúvida, a Lei de Deus permanece, mas já não é a realidade mais importante, a regra da vida; ao contrário, torna-se um revestimento, uma cobertura, enquanto a vida segue outros percursos, outras regras, interesses muitas vezes egoístas, individuais e de grupo. E assim a religião perde o seu sentido autêntico, que consiste em viver na escuta de Deus para cumprir a sua vontade — que é a verdade do nosso ser — e assim viver bem, na verdadeira liberdade, e reduz-se à prática de costumes secundários, que satisfazem sobretudo a necessidade humana de descarregar a consciência em relação a Deus. E este é um grave risco de cada religião, que Jesus observou na sua época, mas que se pode verificar, infelizmente, também na cristandade. Por isso, as palavras de Jesus no Evangelho de hoje contra os escribas e os fariseus devem fazer pensar também em nós. Jesus faz suas as palavras do profeta Isaías: «Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. Em vão, pois, prestam-me culto, ensinando doutrinas e preceitos humanos» (Mc 7, 6-7; cf. Is 29, 13). E, depois, conclui: «Deixando de lado o mandamento de Deus, apegais-vos à tradição dos homens» (Mc 7, 8). Também o apóstolo Tiago, na sua Carta, alerta para o perigo de uma religiosidade falsa. Ele escreve aos cristãos: «Sede cumpridores da palavra e não apenas ouvintes, enganando-vos a vós mesmos» (Tg 1, 22). A Virgem Maria, à qual agora nos dirigimos em oração, nos ajude a ouvir a Palavra de Deus com um coração aberto e sincero, para que oriente todos os dias os nossos pensamentos, escolhas e obras. (Bento XVI, Oração do Angelus, Castel Gandolfo, 2 de Setembro de 2012)

sábado, 20 de julho de 2024

PALAVRA DO PAPA FRANCISCO

 


- na Oração do Angelus, na Praça de São Pedro,  Roma, no dia 18 de Julho de 2021
 
A atitude de Jesus, que observamos no Evangelho da Liturgia de hoje (Mc 6, 30-34), ajuda-nos a compreender dois aspetos importantes da vida. O primeiro é o descanso. Aos Apóstolos, que regressam cansados da missão e narram com entusiasmo tudo o que fizeram, Jesus dirige com ternura um convite: «Vinde à parte, para um lugar deserto, e descansai um pouco» (v. 31). Convida ao descanso.
Agindo assim, Jesus oferece-nos um ensinamento precioso. Embora se regozije ao ver os seus discípulos felizes por causa dos prodígios da pregação, não se detém em elogios e perguntas, mas preocupa-se com o seu cansaço físico e interior. E por que faz isto? Porque quer alertá-los para um perigo, que está sempre à espreita também para nós: o perigo de nos deixarmos enredar pelo frenesi do fazer, de cairmos na armadilha do ativismo, onde o mais importante são os resultados que alcançamos, e de nos sentirmos protagonistas absolutos. Quantas vezes acontece até na Igreja: estamos atarefados, corremos, pensamos que tudo depende de nós e, no final, corremos o risco de negligenciar Jesus e no centro voltamos a pôr-nos sempre nós. É por isso que convida os seus discípulos a descansar um pouco à parte, com Ele. Não se trata apenas de descanso físico, mas é também repouso do coração. Dado que não é suficiente “desligar a tomada”, é preciso descansar verdadeiramente. E como se faz isto? Para o fazer, é necessário voltar à essência das coisas: parar, ficar em silêncio, rezar, para não passar da correria do trabalho à correria das férias. Jesus não evitava as necessidades da multidão, mas todos os dias, antes de mais nada, retirava-se em oração, em silêncio, na intimidade com o Pai. O seu terno convite - descansai um pouco - deveria acompanhar-nos: irmãos e irmãs, tenhamos cuidado com o eficientismo, acabemos com a corrida frenética que dita as nossas agendas. Aprendamos a parar, a desligar o telemóvel, a contemplar a natureza, a regenerar-nos no diálogo com Deus.
No entanto, o Evangelho narra que Jesus e os discípulos não conseguem descansar como gostariam. As pessoas encontram-nos e afluem de todas as partes. Nessa altura, o Senhor compadece-se. Eis o segundo aspeto: a compaixão, que é o estilo de Deus. O estilo de Deus é proximidade, compaixão e ternura. Quantas vezes no Evangelho, na Bíblia, encontramos esta frase: “Teve compaixão”. Comovido, Jesus dedica-se às pessoas e recomeça a ensinar (cf. vv. 33-34). Parece uma contradição, mas na realidade não é. Na verdade, só o coração que não se deixa levar pela pressa é capaz de se comover, ou seja, de não se deixar arrebatar por si mesmo e pelas coisas a fazer, e de se dar conta dos outros, das suas feridas, das suas necessidades. A compaixão nasce da contemplação. Se aprendermos a descansar verdadeiramente, seremos capazes de autêntica compaixão; se cultivarmos um olhar contemplativo, levaremos a cabo as nossas atividades sem a atitude voraz de quem quer possuir e consumir tudo; se permanecermos em contacto com o Senhor e não anestesiarmos a parte mais profunda de nós mesmos, as coisas a fazer não terão o poder de nos tirar o fôlego nem de nos devorar. Necessitamos – prestai atenção a isto – necessitamos de uma “ecologia do coração”, que se compõe de descanso, contemplação e compaixão. Aproveitemos a temporada de verão para isto! (cf. Santa Sé)