PALAVRA COM SENTIDO
PALAVRA COM SENTIDO
“… Bendito o que vem em nome do Senhor…” (cf. Lucas 19, 38)
“…As aclamações da entrada em Jerusalém e a humilhação de Jesus. Os gritos festosos e o encarniçamento feroz. Anualmente, este duplo mistério acompanha a entrada na Semana Santa com os dois momentos característicos desta celebração: ao início, a procissão com os ramos de palmeira e de oliveira e, depois, a leitura solene da narração da Paixão.
Deixemo-nos envolver nesta acção animada pelo Espírito Santo, para obtermos o que se pede na oração: acompanhar com fé o caminho do nosso Salvador e ter sempre presente o grande ensinamento da sua Paixão como modelo de vida e de vitória contra o espírito do mal.
Jesus mostra-nos como enfrentar os momentos difíceis e as tentações mais insidiosas, guardando no coração uma paz que não é isolamento, não é ficar impassível nem fazer o super-homem, mas confiante abandono no Pai e na sua vontade de salvação, de vida, de misericórdia; e Jesus, em toda a sua missão, viu-Se assaltado pela tentação de «fazer a sua obra», escolhendo Ele o modo e desligando-Se da obediência ao Pai. Desde o início, na luta dos quarenta dias no deserto, até ao fim, na Paixão, Jesus repele esta tentação com uma obediente confiança no Pai.
E hoje, na sua entrada em Jerusalém, também nos mostra o caminho. Pois, neste acontecimento, o maligno, o príncipe deste mundo, tinha uma carta para jogar: a carta do triunfalismo, e o Senhor respondeu permanecendo fiel ao seu caminho, o caminho da humildade.
O triunfalismo procura tornar a meta mais próxima, por meio de atalhos, falsos comprometimentos. Aposta na subida para o carro do vencedor. O triunfalismo vive de gestos e palavras, que não passaram pelo cadinho da cruz; alimenta-se da comparação com os outros, julgando-os sempre piores, defeituosos, falhados... Uma forma subtil de triunfalismo é a mundanidade espiritual, que é o maior perigo, a mais pérfida tentação que ameaça a Igreja (Henri de Lubac). Jesus destruiu o triunfalismo com a sua Paixão.
Verdadeiramente o Senhor aceitou e alegrou-Se com a iniciativa do povo, com os jovens que gritavam o seu nome, aclamando-O Rei e Messias. O seu coração rejubilava ao ver o entusiasmo e a festa dos pobres de Israel, de tal maneira que, aos fariseus que Lhe pediam para censurar os discípulos pelas suas escandalosas aclamações, Jesus respondeu: «Se eles se calarem, gritarão as pedras» (Lc 19, 40). Humildade não significa negar a realidade, e Jesus é realmente o Messias, o Rei.
Mas, ao mesmo tempo o coração de Cristo encontra-se noutro caminho, no caminho santo que só Ele e o Pai conhecem: aquele que vai da «condição divina» à «condição de servo», o caminho da humilhação na obediência «até à morte e morte de cruz» (Flp 2, 6-8). Ele sabe que, para chegar ao verdadeiro triunfo, deve dar espaço a Deus; e, para dar espaço a Deus, só há um modo: o despojamento, o esvaziamento de si mesmo. Calar, rezar, humilhar-se. Com a cruz, não se pode negociar: abraça-se ou recusa-se. E, com a sua humilhação, Jesus quis abrir-nos o caminho da fé e preceder-nos nele.
Atrás d’Ele, a primeira que o percorreu foi a sua Mãe, Maria, a primeira discípula. A Virgem e os santos tiveram que padecer para caminhar na fé e na vontade de Deus. No meio dos acontecimentos duros e dolorosos da vida, responder com a fé custa «um particular aperto do coração» (cf. São João Paulo II, Enc. Redemptoris Mater, 17). É a noite da fé. Mas, só desta noite é que desponta a aurora da ressurreição. Ao pé da cruz, Maria repensou nas palavras com que o Anjo Lhe anunciara o seu Filho: «Será grande (…). O Senhor Deus vai dar-Lhe o trono de seu pai David; reinará eternamente sobre a casa de Jacob e o seu reinado não terá fim» (Lc 1, 32-33). No Gólgota, Maria depara-Se com o desmentido total daquela promessa: o seu Filho agoniza numa cruz, como um malfeitor. Deste modo o triunfalismo, destruído pela humilhação de Jesus, foi igualmente destruído no coração da Mãe; ambos souberam calar.
Precedidos por Maria, incontáveis santos e santos seguiram Jesus pelo caminho da humildade e da obediência. Hoje, quero lembrar os inúmeros santos e santas jovens, especialmente os de «ao pé da porta», que só Deus conhece e que às vezes gosta de nolos revelar de surpresa. Não vos envergonheis de manifestar o vosso entusiasmo por Jesus, gritar que Ele vive, que é a vossa vida. Mas, ao mesmo tempo não tenhais medo de O seguir pelo caminho da cruz. E, quando sentirdes que vos pede para renunciardes a vós mesmos, para vos despojardes das próprias seguranças confiando-vos completamente ao Pai que está nos céus, então alegrai-vos e exultai! Encontrais-vos no caminho do Reino de Deus…”
(Papa Francisco, Homilia de Domingo de Ramos, Praça de São Pedro, 14 de Abril de 2019)