PALAVRA COM SENTIDO

PALAVRA COM SENTIDO “…o que se humilhar será exaltado …” (cf. Lucas 14, 11) O episódio do Evangelho de hoje mostra-nos Jesus, na casa de um dos chefes dos fariseus, que observava com atenção como os convidados para o almoço se preocupam em escolher os primeiros lugares. É uma cena que vimos muitas vezes: procurar o melhor lugar, até «com os cotovelos». Ao ver esta cena, ele narra duas breves parábolas com as quais oferece duas indicações: uma relativa ao lugar e a outra à recompensa. A primeira semelhança é ambientada num banquete nupcial. Jesus diz: «Quando fores convidado para as bodas, não te ponhas no primeiro lugar, pois pode ser que seja convidada outra pessoa mais importante do que tu, e aquele que te convidou te diga: “Cede o lugar a este!”... Mas, quando fores convidado, ocupa o último lugar» (Lc 14, 8-10). Com esta recomendação, Jesus não tenciona dar normas de comportamento social, mas uma lição sobre o valor da humildade. A história ensina que o orgulho, o arrivismo, a vaidade e a ostentação são causas de muitos males. E Jesus faz-nos compreender a necessidade de escolher o último lugar, ou seja, de procurar a pequenez e o escondimento: a humildade. Quando nos colocamos diante de Deus nesta dimensão de humildade, Deus exalta-nos, debruça-se sobre nós para nos elevar a Si; «porque todo aquele que se exaltar será humilhado, e todo o que se humilhar será exaltado» (v. 11). As palavras de Jesus sublinham atitudes completamente diferentes e opostas: a atitude daquele que escolhe o próprio lugar e a atitude de quem deixa que Deus lho atribua e dele espera a recompensa. Não o esqueçamos: Deus paga muito mais do que os homens! Ele reserva-nos um lugar muito melhor do que aquele que nos dão os homens! O lugar que Deus nos dá está próximo do seu coração, e a sua recompensa é a vida eterna. «Serás feliz... - diz Jesus - receberás a tua recompensa na ressurreição dos justos» (v. 14). É quanto se descreve na segunda parábola, na qual Jesus indica a atitude de abnegação que deve caracterizar a hospitalidade; Ele diz assim: «Quando ofereceres uma ceia, convida os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos. Serás feliz porque eles não podem retribuir-te» (vv. 13-14). Trata-se de escolher a gratuitidade, em vez do cálculo oportunista que deseja alcançar uma recompensa, que busca o interesse e que procura enriquecer-se ulteriormente. Com efeito os pobres, os simples e aqueles que não contam nunca poderão retribuir o convite para uma ceia. Assim Jesus demonstra a sua preferência pelos pobres e excluídos, que são os privilegiados do Reino de Deus, e lança a mensagem fundamental do Evangelho, que consiste em servir o próximo por amor a Deus. Hoje Jesus faz-se voz de quantos não a têm, dirigindo a cada um de nós um apelo urgente a abrir o coração e a fazer nossos os sofrimentos e os anseios dos pobres, famintos, marginalizados, refugiados, derrotados da vida e daqueles que são descartados pela sociedade e pela prepotência dos mais fortes. E na realidade estes descartados representam a esmagadora maioria da população. Neste momento, penso com gratidão nos refeitórios onde tantos voluntários oferecem o próprio serviço, dando de comer a pessoas sozinhas, deserdadas, desempregadas ou desabrigadas. Estes refeitórios e outras obras de misericórdia - como visitar os doentes, os presos... - são escolas de caridade que propagam a cultura da gratuitidade, porque aqueles que aí trabalham são impelidos pelo amor a Deus e iluminados pela sabedoria do Evangelho. Assim o serviço aos irmãos torna-se testemunho de amor, que torna crível e visível o amor de Cristo. Peçamos à Virgem Maria que nos conduza todos os dias pelo caminho da humildade, Ela que foi humilde durante a sua vida inteira, e que nos torne capazes de fazer gestos gratuitos de acolhimento e de solidariedade a favor dos marginalizados, para nos tornarmos dignos da recompensa divina. (cf. Papa Francisco, na Oração do Angelus, Praça de São Pedro, no Domingo, dia 28 de Agosto de 2016)

domingo, 31 de agosto de 2025

PALAVRA DO PAPA LEÃO

 


- na Audiência-Geral, Sala Paulo VI, Vaticano - Roma, no dia 27 de Agosto de 2025
 
Estimados irmãos e irmãs!
Hoje, vamos meditar sobre uma cena que marca o início da paixão de Jesus: o momento da sua detenção, no horto das Oliveiras. O evangelista João, com a sua habitual profundidade, não nos apresenta um Jesus apavorado, que foge ou se esconde. Pelo contrário, mostra-nos um homem livre, que se aproxima e toma a palavra, enfrentando, abertamente, a hora em que se pode manifestar a luz do amor maior.
«Sabendo Jesus tudo o que Lhe ia acontecer, aproximou-se e disse-lhes: “A quem buscais?”» (Jo 18, 4). Jesus sabe!... No entanto, decide não recuar. Entrega-se. Não por debilidade, mas por amor. Um amor tão pleno, tão maduro, que não teme a rejeição. Jesus não é preso: deixa-se prender. Não é vítima de uma detenção, mas autor de um dom. Neste gesto encarna-se uma esperança de salvação para a nossa humanidade: saber que, até na hora mais obscura, podemos permanecer livres para amar até ao fim.
Quando Jesus responde «sou eu», os soldados caem por terra. Trata-se de uma passagem misteriosa, dado que, na revelação bíblica, esta expressão evoca o próprio nome de Deus: «Eu sou». Jesus revela que a presença de Deus se manifesta, precisamente, onde a humanidade experimenta a injustiça, o medo, a solidão. É exactamente ali que a verdadeira luz está disposta a brilhar, sem medo de ser dominada pelo avançar das trevas.
No coração da noite, quando tudo parece desabar, Jesus mostra que a esperança cristã não é evasão, mas decisão. Esta atitude é fruto de uma profunda oração, na qual não pedimos a Deus que nos poupe do sofrimento, mas que nos dê força para perseverar no amor, conscientes de que a vida, livremente oferecida por amor, não nos pode ser tirada por ninguém.
«Se é, pois, a mim que procurais, deixai que estes partam» (Jo 18, 8). No momento da sua prisão, Jesus não se preocupa em salvar-se a si mesmo: deseja, apenas, que os seus amigos possam ser livres. Isto demonstra que o seu sacrifício é um verdadeiro acto de amor. Jesus deixa-se apanhar e aprisionar pelos guardas só para poder deixar que os seus discípulos sejam livres.
Jesus viveu cada dia da sua vida como preparação para esta hora dramática e sublime. Por isso, quando ela chega, tem a força de não procurar uma saída. O seu coração sabe bem que perder a vida por amor não é um fracasso, mas possui uma misteriosa fecundidade. Como o grão de trigo que, precisamente ao cair na terra, não fica só, mas morre, tornando-se fecundo.
Até Jesus se sente inquieto diante de um caminho que parece levar, unicamente, à morte e ao fim. Mas, está igualmente convencido de que, no final, só uma vida perdida por amor se reencontra. É nisto que consiste a verdadeira esperança: não em procurar evitar a dor, mas em acreditar que, até no coração dos sofrimentos mais injustos, se esconde a semente de uma vida nova.
E nós? Quantas vezes defendemos a nossa vida, os nossos projectos, as nossas seguranças, sem nos darmos conta de que, agindo assim, ficamos sós. A lógica do Evangelho é diferente: só o que se dá floresce; só o amor que se torna gratuito pode restituir confiança até onde tudo parece perdido.
O Evangelho de Marcos fala-nos, também, de um jovem que, quando Jesus é preso, foge nu (cf. Mc 14, 51). É uma imagem enigmática, mas profundamente evocativa. Também nós, na tentativa de seguir Jesus, vivemos momentos em que somos surpreendidos e ficamos despojados das nossas certezas. São os momentos mais difíceis, nos quais somos tentados a abandonar o caminho do Evangelho porque o amor nos parece um percurso impossível. No entanto, será precisamente um jovem, no final do Evangelho, que anunciará a ressurreição às mulheres, não já nu, mas vestido com uma túnica branca.
Esta é a esperança da nossa fé: os nossos pecados e hesitações não impedem que Deus nos perdoe e nos restitua o desejo de O seguir de novo, para nos tornar capazes de oferecer a vida pelos outros.
Caros irmãos e irmãs: aprendamos, também nós, a entregar-nos à boa vontade do Pai, deixando que a nossa vida seja uma resposta ao bem recebido. Na vida não é necessário controlar tudo. É suficiente escolher, todos os dias, amar com liberdade. É nisto que consiste a verdadeira esperança: em saber que, até na obscuridade da provação, é o amor de Deus que nos sustenta, fazendo amadurecer em nós o fruto da vida eterna. (cf. Santa Sé)