- da Homilia da Missa do galo, 24 de
Dezembro, em Roma
“…Onde não se dá
glória a Deus, onde Ele é esquecido ou até mesmo negado, também não há paz.
Hoje, porém, há correntes generalizadas de pensamento que afirmam o contrário:
as religiões, mormente o monoteísmo, seriam a causa da violência e das guerras
no mundo; primeiro seria preciso libertar a humanidade das religiões, para se
criar então a paz; o monoteísmo, a fé no único Deus, seria prepotência, causa
de intolerância, porque pretenderia, fundamentado na sua própria natureza,
impor-se a todos com a pretensão da verdade única. É verdade que, na história,
o monoteísmo serviu de pretexto para a intolerância e a violência. É verdade
que uma religião pode adoecer e chegar a contrapor-se à sua natureza mais
profunda, quando o homem pensa que deve ele mesmo deitar mão à causa de Deus,
fazendo assim de Deus uma sua propriedade privada. Contra estas deturpações do
sagrado, devemos estar vigilantes. Se é incontestável algum mau uso da religião
na história, não é verdade que o «não» a Deus restabeleceria a paz. Se a luz de
Deus se apaga, apaga-se também a dignidade divina do homem. Então, este deixa
de ser a imagem de Deus, que devemos honrar em todos e cada um, no fraco, no
estrangeiro, no pobre. Então deixamos de ser, todos, irmãos e irmãs, filhos do
único Pai que, a partir do Pai, se encontram interligados uns aos outros. Os
tipos de violência arrogante que aparecem então com o homem a desprezar e a
esmagar o homem, vimo-los, em toda a sua crueldade, no século passado. Só
quando a luz de Deus brilha sobre o homem e no homem, só quando cada homem é
querido, conhecido e amado por Deus, só então, por mais miserável que seja a
sua situação, a sua dignidade é inviolável. Na Noite Santa, o próprio Deus Se
fez homem, como anunciara o profeta Isaías: o menino nascido aqui é «Emmanuel
– Deus-connosco» (cf. Is 7, 14). E verdadeiramente, no decurso de todos
estes séculos, não houve apenas casos de mau uso da religião; mas, da fé no
Deus que Se fez homem, nunca cessou de brotar forças de reconciliação e magnanimidade.
Na escuridão do pecado e da violência, esta fé fez entrar um raio luminoso de
paz e bondade que continua a brilhar…”