PALAVRA COM SENTIDO

PALAVRA COM SENTIDO “…[José]… Levanta-te, toma contigo o Menino e a Sua Mãe…” (cf. Mateus 2, 13) E hoje é realmente um dia maravilhoso... Hoje celebramos a festa da Sagrada Família de Nazaré. O termo “sagrada” insere esta família no âmbito da santidade, que é dom de Deus mas, ao mesmo tempo, é adesão livre e responsável aos desígnios de Deus. Assim aconteceu com a família de Nazaré: ela permaneceu totalmente aberta à vontade de Deus. Como não nos surpreendermos, por exemplo, com a docilidade de Maria à acção do Espírito Santo, que lhe pede para se tornar a mãe do Messias? Pois Maria, como todas as jovens da sua época, estava prestes a realizar o seu projecto de vida, ou seja, casar-se com José. Mas, quando se dá conta de que Deus a chama para uma missão particular, não hesita em proclamar-se sua “escrava” (cf. Lc 1, 38). Dela Jesus exaltará a grandeza, não tanto pelo seu papel de mãe, mas pela sua obediência a Deus. Jesus dis-se: «Felizes, antes, os que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática» (Lc 11, 28), como Maria. E quando não compreende plenamente os acontecimentos que a envolvem, em silêncio, Maria medita, reflecte e adora a iniciativa divina. A sua presença aos pés da Cruz consagra esta disponibilidade total. Além disso, no que diz respeito a José, o Evangelho não nos transmite nem sequer uma única palavra: ele não fala, mas age, obedecendo. É o homem do silêncio, o homem da obediência. A página do Evangelho de hoje (cf. Mt 2, 13-15.19-23) recorda três vezes esta obediência do justo José, referindo-se à fuga para o Egipto e ao regresso à terra de Israel. Sob a orientação de Deus, representado pelo Anjo, José afasta a sua família das ameaças de Herodes, salvando-a. Desta forma, a Sagrada Família mostra-se solidária para com todas as famílias do mundo que são obrigadas ao exílio; solidariza-se com todos aqueles que são forçados a abandonar a sua terra por causa da repressão, da violência e da guerra. Por fim, a terceira pessoa da Sagrada Família: Jesus. Ele é a vontade do Pai: n'Ele, diz São Paulo, não havia “sim” e “não”, mas apenas “sim” (cf. 2 Cor 1, 19). E isto manifestou-se em muitos momentos da sua vida terrena. Por exemplo, o episódio no templo quando, aos pais que o procuravam angustiados, Ele respondeu: «Não sabíeis que devia estar na casa de meu Pai?» (Lc 2, 49) A sua repetição contínua: «O meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou» (Jo 4, 34); a sua oração, no horto das oliveiras: «Meu Pai, se este cálice não pode passar sem que Eu o beba, faça-se a tua vontade» (Mt 26, 42). Todos estes acontecimentos constituem a perfeita realização das próprias palavras de Cristo, que diz: «Tu não quiseste sacrifício nem oferenda [...]. Então eu disse: “Aqui estou [...] para fazer a tua vontade”» (Hb 10, 5-7; Sl 40, 7-9). Maria, José, Jesus: a Sagrada Família de Nazaré, que representa uma resposta coral à vontade do Pai: os três membros desta família ajudam-se uns aos outros a descobrir o plano de Deus. Eles rezavam, trabalhavam, comunicavam. E eu pergunto-me: tu, na tua família, sabes comunicar, ou és como aqueles jovens à mesa, cada qual com o telemóvel, enquanto conversam no chat? Naquela mesa parece que há um silêncio como se estivessem na Missa... Mas não comunicam entre si. Temos que retomar o diálogo, em família: pais, filhos, avós e irmãos devem comunicar entre si... Eis o dever de hoje, precisamente no dia da Sagrada Família. Que a Sagrada Família possa ser modelo das nossas famílias, a fim de que pais e filhos se ajudem mutuamente na adesão ao Evangelho, fundamento da santidade da família. Confiemos a Maria “Rainha da família”, todas as famílias do mundo, especialmente aquelas provadas pelo sofrimento ou pela dificuldade, e invoquemos sobre elas o seu amparo maternal. (cf. Papa Francisco, na Oração do Angelus, na Praça de São Pedro, Roma, no dia 29 de Dezembro de 2019, Festa da Sagrada Família)

segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

PALAVRA DO PAPA FRANCISCO


- na Audiência-Geral, na Praça de São Pedro – Roma, no dia 11 de Janeiro

Amados irmãos e irmãs, bom dia!
No passado mês de Dezembro e na primeira parte de Janeiro, celebrámos o tempo do Advento e depois o do Natal: um período do ano litúrgico que desperta a esperança no povo de Deus. Esperar é uma necessidade primária do homem: esperar no futuro, acreditar na vida, o chamado «pensar positivo».
Mas é importante que esta esperança seja posta naquilo que pode, deveras, ajudar a viver e a dar sentido à nossa existência. É por isso que a Sagrada Escritura nos admoesta contra as falsas esperanças que o mundo nos apresenta, desmascarando a sua inutilidade e mostrando a sua insensatez. E faz isto de várias maneiras mas, sobretudo, denunciando a falsidade dos ídolos nos quais o homem é continuamente tentado a pôr a sua confiança, fazendo deles objecto da sua esperança.
Em particular, os profetas e sábios insistem sobre isto, tocando um ponto nevrálgico do caminho de fé do crente. Porque fé significa confiar em Deus — quem tem fé, confia em Deus — mas chega o momento em que, confrontando-se com as dificuldades da vida, o homem experimenta a fragilidade daquela confiança e sente a necessidade de certezas diversas, de seguranças tangíveis, concretas. Confio em Deus, mas a situação é um pouco crítica e eu preciso de uma certeza um pouco mais concreta. E está ali o perigo! Então somos tentados a procurar consolações até efémeras, que parecem preencher o vazio da solidão e aliviar a fadiga do crer. E pensamos que as devemos encontrar na segurança que o dinheiro pode dar, nas alianças com os poderosos, na mundanidade, nas falsas ideologias. Por vezes, procuramo-las num deus que se possa submeter aos nossos pedidos e, magicamente, intervir para mudar a realidade e torná-la como a queremos; um ídolo, precisamente, que, como tal, nada pode fazer, impotente e mentiroso. Mas nós gostamos dos ídolos, gostamos tanto! Certa vez, em Buenos Aires, devia ir de uma igreja para outra: mil metros, mais ou menos. E fi-lo a pé. Há um parque no meio e, no parque, havia pequenas mesinhas; em muitas delas estavam sentados os videntes. O parque estava cheio de gente que fazia fila para chegar junto do vidente escolhido. Imagina que eras tu: tu davas-lhe a mão e ele começava a sua lengalenga; mas, a conversa era sempre a mesma: há uma mulher na tua vida, há uma sombra que vem, mas tudo vai correr bem... E depois, pagavas. E isto dá-te segurança? É a segurança de uma — permiti-me a palavra — de uma estupidez. Ir ter com o vidente ou a vidente que leem as cartas: isto é um ídolo! Isto é o ídolo e, quando lhes estamos tão afeiçoados, compramos falsas esperanças. Mas, pelo contrário, na esperança que Jesus Cristo nos trouxe, gratuitamente, dando a vida por nós, nós não confiamos muito nela.
Um salmo cheio de sabedoria apresenta-nos, de modo muito sugestivo, a falsidade destes ídolos que o mundo oferece à nossa esperança e na qual os homens, de todas as épocas, são tentados a confiar. É o Salmo 115, que recita assim: «Os ídolos deles são prata e ouro, obra das mãos dos homens. / Têm boca, mas não falam; têm olhos, mas não vêem. / Têm ouvidos, mas não ouvem; têm narizes, mas não cheiram. / Têm mãos, mas não apalpam; têm pés, mas não andam; nem som algum sai da sua garganta. / A eles se tornem semelhantes os que os fazem, assim como todos os que neles confiam!» (vv. 4-8)
O salmista apresenta-nos, de maneira também um pouco irónica, a realidade absolutamente efémera destes ídolos. E devemos compreender que não se trata só de representações feitas de metal ou de outro material, mas também das que são construídas com a nossa mente, quando confiamos em realidades limitadas que transformamos em absolutas, ou quando reduzimos Deus aos nossos esquemas e às nossas ideias de divindade; um deus que se parece connosco, compreensível, previsível, precisamente como os ídolos dos quais fala o Salmo. O homem, imagem de Deus, fabrica para si mesmo um deus à sua própria imagem, e é até uma imagem mal feita: não ouve, não age e sobretudo não pode falar. Mas, nós ficamos mais contentes por ir ter com os ídolos do que com o Senhor. Muitas vezes, sentimo-nos mais felizes com a esperança efémera que este falso ídolo nos dá, do que com a grande esperança certa que dá o Senhor.
À esperança num Senhor da vida, que com a sua Palavra criou o mundo e conduz as nossas existências, contrapõe-se a confiança em simulacros mudos. As ideologias com a sua pretensão de absoluto, as riquezas — e isso é um grande ídolo — o poder e o sucesso, a vaidade, com a sua ilusão de eternidade e de omnipotência, valores como a beleza física e a saúde, quando se tornam ídolos aos quais sacrificar tudo, são realidades que confundem a mente e o coração e, em vez de favorecer a vida, conduzem à morte. É mau e faz mal à alma ouvir aquilo que uma vez, há anos, escutei, na diocese de Buenos Aires: uma mulher bondosa, muito bonita, gabava-se da beleza, comentava, como se fosse natural: “Ah, sim, tive que abortar porque a minha figura é muito importante”. São estes os ídolos, e levam-te pelo caminho errado e não te dão a felicidade.
A mensagem do Salmo é muito clara: se pusermos a esperança nos ídolos, tornamo-nos como eles: imagens vazias com mãos que não tocam, pés que não caminham, lábios que não podem falar. Não temos mais nada a dizer, tornamo-nos incapazes de ajudar, de mudar as coisas, incapazes de sorrir, de nos doarmos, incapazes de amar. E também nós, homens de Igreja, corremos este risco quando nos “mundanizamos”. É necessário permanecer no mundo mas defender-se das ilusões do mundo, que são estes ídolos que mencionei.
Como prossegue o Salmo, é preciso confiar e esperar em Deus, e Deus concederá a bênção. Diz assim o Salmo: «Israel, confia no Senhor [...] / Casa de Aarão, confia no Senhor [...] / Vós, os que temeis ao Senhor, confiai no Senhor [...] / O Senhor lembrou-se de nós; Ele nos abençoará» (vv. 9.10.11.12).
O Senhor recorda-se sempre. Até nos maus momentos Ele recorda-se de nós. E esta é a nossa esperança. E a esperança não desilude. Nunca! Nunca!... Os ídolos desiludem sempre: são fantasias, não são realidades.
Eis a maravilhosa realidade da esperança: se confiarmos no Senhor tornamo-nos como Ele; a sua bênção transforma-nos em seus filhos, que partilham a sua vida. A esperança em Deus faz-nos entrar, por assim dizer, no raio de acção da sua recordação, da sua memória que nos bendiz e nos salva. E, então, pode brotar o aleluia, o louvor ao Deus vivo e verdadeiro, que por nós nasceu de Maria, morreu na cruz e ressuscitou na glória. E neste Deus nós temos esperança, e este Deus — que nunca é um ídolo — nunca desilude…  (cf. Santa Sé)