- na Audiência-Geral, na
Praça de São Pedro – Roma, no dia 11 de Janeiro
Amados irmãos e irmãs, bom dia!
No passado mês de Dezembro e na primeira
parte de Janeiro, celebrámos o tempo do Advento e depois o do Natal: um período
do ano litúrgico que desperta a esperança no povo de Deus. Esperar é uma
necessidade primária do homem: esperar no futuro, acreditar na vida, o chamado
«pensar positivo».
Mas é importante que esta esperança seja
posta naquilo que pode, deveras, ajudar a viver e a dar sentido à nossa
existência. É por isso que a Sagrada Escritura nos admoesta contra as falsas
esperanças que o mundo nos apresenta, desmascarando a sua inutilidade e
mostrando a sua insensatez. E faz isto de várias maneiras mas, sobretudo,
denunciando a falsidade dos ídolos nos quais o homem é continuamente tentado a
pôr a sua confiança, fazendo deles objecto da sua esperança.
Em particular, os profetas e sábios
insistem sobre isto, tocando um ponto nevrálgico do caminho de fé do crente.
Porque fé significa confiar em Deus — quem tem fé, confia em Deus — mas chega o
momento em que, confrontando-se com as dificuldades da vida, o homem
experimenta a fragilidade daquela confiança e sente a necessidade de certezas
diversas, de seguranças tangíveis, concretas. Confio em Deus, mas a situação é
um pouco crítica e eu preciso de uma certeza um pouco mais concreta. E está ali
o perigo! Então somos tentados a procurar consolações até efémeras, que parecem
preencher o vazio da solidão e aliviar a fadiga do crer. E pensamos que as
devemos encontrar na segurança que o dinheiro pode dar, nas alianças com os
poderosos, na mundanidade, nas falsas ideologias. Por vezes, procuramo-las num
deus que se possa submeter aos nossos pedidos e, magicamente, intervir para
mudar a realidade e torná-la como a queremos; um ídolo, precisamente, que, como
tal, nada pode fazer, impotente e mentiroso. Mas nós gostamos dos ídolos,
gostamos tanto! Certa vez, em Buenos Aires, devia ir de uma igreja para outra:
mil metros, mais ou menos. E fi-lo a pé. Há um parque no meio e, no parque,
havia pequenas mesinhas; em muitas delas estavam sentados os videntes. O parque
estava cheio de gente que fazia fila para chegar junto do vidente escolhido. Imagina
que eras tu: tu davas-lhe a mão e ele começava a sua lengalenga; mas, a
conversa era sempre a mesma: há uma mulher na tua vida, há uma sombra que vem,
mas tudo vai correr bem... E depois, pagavas. E isto dá-te segurança? É a
segurança de uma — permiti-me a palavra — de uma estupidez. Ir ter com o
vidente ou a vidente que leem as cartas: isto é um ídolo! Isto é o ídolo e,
quando lhes estamos tão afeiçoados, compramos falsas esperanças. Mas, pelo
contrário, na esperança que Jesus Cristo nos trouxe, gratuitamente, dando a
vida por nós, nós não confiamos muito nela.
Um salmo cheio de sabedoria apresenta-nos,
de modo muito sugestivo, a falsidade destes ídolos que o mundo oferece à nossa
esperança e na qual os homens, de todas as épocas, são tentados a confiar. É o
Salmo 115, que recita assim: «Os ídolos deles são prata e ouro, obra das mãos
dos homens. / Têm boca, mas não falam; têm olhos, mas não vêem. / Têm ouvidos,
mas não ouvem; têm narizes, mas não cheiram. / Têm mãos, mas não apalpam; têm
pés, mas não andam; nem som algum sai da sua garganta. / A eles se tornem
semelhantes os que os fazem, assim como todos os que neles confiam!» (vv. 4-8)
O salmista apresenta-nos, de maneira
também um pouco irónica, a realidade absolutamente efémera destes ídolos. E
devemos compreender que não se trata só de representações feitas de metal ou de
outro material, mas também das que são construídas com a nossa mente, quando
confiamos em realidades limitadas que transformamos em absolutas, ou quando
reduzimos Deus aos nossos esquemas e às nossas ideias de divindade; um deus que
se parece connosco, compreensível, previsível, precisamente como os ídolos dos
quais fala o Salmo. O homem, imagem de Deus, fabrica para si mesmo um deus à
sua própria imagem, e é até uma imagem mal feita: não ouve, não age e sobretudo
não pode falar. Mas, nós ficamos mais contentes por ir ter com os ídolos do que
com o Senhor. Muitas vezes, sentimo-nos mais felizes com a esperança efémera
que este falso ídolo nos dá, do que com a grande esperança certa que dá o
Senhor.
À esperança num Senhor da vida, que com a
sua Palavra criou o mundo e conduz as nossas existências, contrapõe-se a
confiança em simulacros mudos. As ideologias com a sua pretensão de absoluto,
as riquezas — e isso é um grande ídolo — o poder e o sucesso, a vaidade, com a
sua ilusão de eternidade e de omnipotência, valores como a beleza física e a
saúde, quando se tornam ídolos aos quais sacrificar tudo, são realidades que
confundem a mente e o coração e, em vez de favorecer a vida, conduzem à morte.
É mau e faz mal à alma ouvir aquilo que uma vez, há anos, escutei, na diocese
de Buenos Aires: uma mulher bondosa, muito bonita, gabava-se da beleza,
comentava, como se fosse natural: “Ah, sim, tive que abortar porque a minha
figura é muito importante”. São estes os ídolos, e levam-te pelo caminho errado
e não te dão a felicidade.
A mensagem do Salmo é muito clara: se
pusermos a esperança nos ídolos, tornamo-nos como eles: imagens vazias com mãos
que não tocam, pés que não caminham, lábios que não podem falar. Não temos mais
nada a dizer, tornamo-nos incapazes de ajudar, de mudar as coisas, incapazes de
sorrir, de nos doarmos, incapazes de amar. E também nós, homens de Igreja,
corremos este risco quando nos “mundanizamos”. É necessário permanecer no mundo
mas defender-se das ilusões do mundo, que são estes ídolos que mencionei.
Como prossegue o Salmo, é preciso confiar
e esperar em Deus, e Deus concederá a bênção. Diz assim o Salmo: «Israel,
confia no Senhor [...] / Casa de Aarão, confia no Senhor [...] / Vós, os que
temeis ao Senhor, confiai no Senhor [...] / O Senhor lembrou-se de nós; Ele nos
abençoará» (vv. 9.10.11.12).
O Senhor recorda-se sempre. Até nos maus
momentos Ele recorda-se de nós. E esta é a nossa esperança. E a esperança não
desilude. Nunca! Nunca!... Os ídolos desiludem sempre: são fantasias, não são
realidades.
Eis a maravilhosa realidade da esperança:
se confiarmos no Senhor tornamo-nos como Ele; a sua bênção transforma-nos em
seus filhos, que partilham a sua vida. A esperança em Deus faz-nos entrar, por
assim dizer, no raio de acção da sua recordação, da sua memória que nos bendiz
e nos salva. E, então, pode brotar o aleluia, o louvor ao Deus vivo e
verdadeiro, que por nós nasceu de Maria, morreu na cruz e ressuscitou na
glória. E neste Deus nós temos esperança, e este Deus — que nunca é um ídolo —
nunca desilude… (cf. Santa Sé)
