BEATO CLEMENTE VISMARA
Clemente Vismara nasceu, em Agrate Brianza, Milão, Itália, no dia
6 Setembro 1897. Era filho de Attilio Egidio Vismara e de Stella Annunziata
Porta; ele fazia e vendia albardas, e ela trabalhava como costureira. Aos 7
anos de idade, ficou órfão de pai e mãe e foi confiado a uns tios. Em 1913,
entrou para o seminário diocesano San Pietro Martire, em Milão, para fazer o
liceu. Em 1916, foi chamado para o serviço militar; três anos depois, regressou
da linha da frente com a patente de primeiro-sargento.
Entrado no PIME (Pontifício Instituto para as Missões Estrangeiras),
foi ordenado sacerdote, no dia 26 de Maio de 1923, e, em Agosto, foi mandado
para a Birmânia, uma terra onde os «missionários de Milão» trabalhavam já desde
havia umas décadas. Em Outubro de 1924, chegou finalmente a Monglin, a sua primeira
missão. Ao longo de 31 anos, fundou aí quatro regiões missionárias, elevando a
comunidade cristã para cerca de dois mil baptizados. Entre 1941 e 1942, os
missionários italianos do PIME (Vismara incluído) foram confinados, pelos
ingleses, em Kalaw. Seguidamente, a conquista japonesa da Birmânia permitiu ao
Padre Vismara voltar para Monglin, onde encontrou a missão num estado
lastimável de abandono.
Em 1955, o Padre Vismara foi deslocado para Mongping, uma missão a
225 km de distância, onde permaneceu até à morte. Também aí, o Padre Clemente
realizou importantes obras educativas e religiosas. Em 1957, O Padre Clemente
voltou a Itália para as únicas férias na pátria.
Depois da nacionalização forçada de escolas e hospitais
administrados pela Igreja, em 1966, o governo militar da Birmânia expulsou
todos os estrangeiros entrados no país depois da independência (1948). O Padre
Vismara permaneceu, com poucos outros idosos, condenado a não sair do país sob
pena de não poder a ele regressar.
Ao contrário de muitos beatos e santos, o Padre Vismara não morreu
mártir; não foi bispo nem fundou uma ordem religiosa. Também não teve visões
nem realizou milagres. Numa palavra: poderia parecer um missionário como tantos
outros. E, no entanto, todos os que o conheceram estão de acordo sobre um
ponto: o Padre Clemente viveu de maneira extraordinária o ordinário, doando-se
a si mesmo, dia após dia, durante 65 longos anos, na então Birmânia, aonde
chegara em 1924. Para ele existe uma via mestra para testemunhar o Evangelho:
doar-se aos outros, até ao fundo, gratuitamente e com alegria. «Um missionário
que não dá a sua vida é inútil, não é nada», escreveu em 1959. «Os pagãos
exigem a pele, somente a pele, toda a pele, caso contrário não acreditarão em
nós de forma alguma. Mesmo que seja um herói de barba rija, se não der a sua
alma, é supérflua a barba rija, falso o herói.»
Aqui está o segredo da santidade do Padre Clemente Vismara: exceptuando
o seu carácter empresarial - que no dizer de alguns confrades se tinha
transformado em «ladrilho» pois foram numerosas as construções por ele
realizadas: escolas, orfanatos, igrejas, casas para religiosas… - não
sobressaía em nenhuns outros campos. Mas, como testemunha o padre Angelo
Campagnoli, seu colega na Birmânia durante alguns anos, «nele impressionava a
alegria interior e sobretudo o entusiasmo com que fazia as coisas do dia-a-dia,
mil vezes repetidas mas como se fosse a primeira vez».
Foi um homem de olhar suave e de sorriso aberto: um sorriso,
inesquecível, que deixou muitas marcas. Ann Mary Sheng Phu, uma jovem religiosa
birmanesa, tinha apenas 12 anos quando o Padre Clemente faleceu e, todavia,
recorda que «mesmo nos últimos tempos, muito idoso e esgotado, o Padre Clemente
continuava a sorrir e a brincar».
Se há um traço que tornou singular o Padre Clemente foi,
precisamente, o seu olhar «suave» sobre a vida, cheio de ironia, unido a um
entusiasmo inquebrantável, filho de uma fé sólida. Num escrito de 1959, o Padre
Clemente quase se defendeu disso: «Peço desculpa, mas eu sou assim: das coisas
sérias acontece-se frequentemente ser levado a ver o lado burlesco; tal como
das coisas burlescas sou levado de imediato a ver o lado sério. O perigo eu não
o sei considerar. De resto, excepto o de ir para o Inferno, neste mundo não há
perigos!»
Durante toda a sua vida, este missionário milanês viveu sob o
signo desta corajosa simplicidade. Tanto que no dia do seu 80.º aniversário se
permitiu escrever: «Entre vitórias e derrotas, encontro-me no terreno desde há
55 anos e sempre batalhador. A vida é feita para explodir, para ir mais longe.
Se ela permanece comprimida dentro dos seus limites, não pode florir; se a
guardamos só para nós, sufocamo-la. A vida é jubilosa a partir do momento em
que começamos a doá-la.»
O Padre Vismara doou a sua vida sobretudo aos jovens,
especialmente se sós e abandonados. Por eles - ele que também tinha ficado
órfão em criança - manifestava uma predilecção especial, testemunhada por
expressões de grande afecto e ternura nos seus escritos. Não foram poucos, entre
os seus jovens, os que o Padre Vismara havia literalmente comprado (muitas vezes
dependentes do ópio) para os arrancar a um destino de privações e solidão. Ao
longo da sua vida, o Padre Clemente acolheu alguns milhares deles, propondo,
nas suas escolas e nos seus orfanatos, um itinerário formativo e um estilo de
vida fraterna e partilhada que fazia lembrar um pouco a «escola de Barbiana» de
D. Lorenzo Milani, em Itália.
Muitos jovens de Myanmar, que hoje são adultos e idosos, devem-lhe
a possibilidade de estudar e crescer num ambiente acolhedor. Quem tem uma
dívida de reconhecimento inteiramente especial para com o Pare Vismara é Joseph
Tayasoe que, em 1998, foi protagonista de um incidente ao qual está ligado o
milagre que abriu o caminho à beatificação do padre Vismara. «Tinha 8 anos na
altura, e vivia no orfanato de Mongyon», relata Joseph. «Por brincadeira subi a
uma árvore, depois caí ao chão de uma altura superior a 3 metros. Perdi a
consciência. Contaram-me que fui internado no hospital e considerado sem
esperança.» Joseph deve a vida a Deus e à fé de uma religiosa tenaz, que se pôs
a rezar ao padre Vismara. E o incrível aconteceu, apesar da gravidade da
situação: um golpe de 18 centímetros na cabeça, quatro dias em coma e o
diagnóstico desesperado dos médicos. «O Padre Clemente», diz Joseph com
convicção, «é um grande homem que continua a ajudar-nos lá do Céu com um olhar
especial pelos pobres e pelos jovens. Como sempre fez em toda a sua vida.»
As condições ambientais em que o Padre Clemente viveu e trabalhou,
no extremo nordeste da Birmânia, foram duras. Não menos difícil foi, para ele,
enfrentar a solidão: «Se quero encontrar um cristão no raio de 100 km, tenho de
ver-me ao espelho», escreveu. Para não falar da difícil situação política do
país: apesar de muito isolado na floresta, também o Padre Vismara e as suas
missões se ressentiram com as perturbações políticas que se foram sucedendo na
Birmânia. Mas o Padre Clemente não cedeu; manteve, sempre, uma profunda fidelidade,
sinal de amor ao povo em nome do Evangelho, que conquistou as gentes. «Encontravam-se
aqui os ingleses; foram-se embora e eu fiquei no lugar», escreveu numa carta de
1972. «Vieram os Chineses; escaparam e eu fiquei no lugar. Vieram os Siameses;
fugiram e eu fiquei no lugar. Vieram os Japoneses; foram-se embora e eu fiquei
no lugar. Os Ingleses voltaram; fugiram e eu fiquei no lugar. Vieram os
Birmaneses e eu encontro-me ainda aqui e, por mais restrições que me imponham,
não tenciono renunciar à minha presença aqui. Certamente que duvido da minha
fortaleza, mas o que neste momento tenciono é morrer de mochila às costas.»
Também o Padre Vismara teve de se confrontar com a desconfiança e
a suspeição de quem via na chegada daqueles estranhos europeus, vestidos de
branco, um elemento de «perturbação» do statu quo. «Os missionários», escreveu,
«têm um grave, gravíssimo defeito: protegem demasiado os pobres. Educam-nos,
instruem-nos, ajudam-nos, curam-nos. Quando alguém conhece o alfabeto, levanta
a cabeça, tem pretensões... Este e só este é o problema que causa antipatia e
aversão contra o missionário.»
Mas, apesar das adversidades, não deixou de acolher de braços
abertos - às vezes censurado pelas religiosas, devido à sua generosidade
«exagerada» - os pobres de toda a espécie: «Entre a nossa gente», defendeu-se,
«temos fumadores de ópio, burlões, ladrões, etc. É a dragagem semelhante à da
parábola dos convidados para o banquete; portanto, é segundo o costume de Jesus
e, por isso, não devemos queixar-nos se causam tantos e intermináveis problemas
de todo o género.»
A Irmã Robertina Buho, de 70 anos, que o acompanhou durante muito
tempo, testemunha: «Fui muitas vezes às povoações com ele para dar assistência
aos pobres e distribuir medicamentos. Era um homem cheio de caridade. Estava
tão tomado pela ajuda aos outros que, quando faleceu, lavamo-lo e queríamos
mudar-lhe a roupa, mas tivemos dificuldade em fazê-lo. Não tinha mais nada de
seu.»
No dia 15 de Junho de 1988, o Padre Clemente Vismara morreu em
Mongping. No seu funeral participam muitos cristãos mas, também muitos budistas
e muçulmanos A alegria do Padre Vismara, o seu sorriso, a sua grande abertura
aos outros contagiou muitos. E muitas pessoas, independentemente da sua
religião e da sua fé, reuniram-se no seu funeral. Como testemunha monsenhor
Abramo Than, bispo emérito de Kengtung: «Nunca tínhamos visto uma coisa assim.
Tivemos muitos santos missionários do PIME. Mas, por nenhum deles se viu esta
devoção que se vê pelo Padre Vismara, mesmo por parte de não cristãos: animistas,
budistas, hindus, muçulmanos. Vi nisto um grande sinal de Deus.»
Clemente Vismara foi beatificado no dia 26 de Junho de 2011, pelo
Papa Bento XVI, numa celebração, na Praça da Catedral de Milão, Itália,
presidida, em nome do Papa, pelo Cardeal Ângelo Amato, Prefeito da Congregação
Para as Causas dos Santos.
A memória litúrgica do Beato Clemente Vismara celebra-se no dia 15
de Junho.