PALAVRA COM SENTIDO

PALAVRA COM SENTIDO “…És tu aquele que há-de vir…? (cf. Mateus 11, 3) Neste terceiro domingo de Advento, chamado domingo “da alegria”, a Palavra de Deus convida-nos, por um lado, à alegria e, por outro, à consciência de que a existência inclui, também, momentos de dúvida, nos quais é difícil acreditar. Alegria e dúvida são experiências que fazem parte da nossa vida. Ao convite explícito do profeta Isaías à alegria: «O deserto e a terra árida vão alegrar-se, a estepe exultará e dará flores» (35, 1), opõe-se no Evangelho a dúvida de João Baptista: «És Tu aquele que há-de vir, ou devemos esperar outro?» (Mt 11, 3). Com efeito, o profeta vê para além da situação: tem à sua frente pessoas desanimadas, mãos cansadas, joelhos tremulantes, corações confusos (cf. 35, 3-4). É a própria realidade que em qualquer época põe a fé à prova. Mas o homem de Deus olha para além, porque o Espírito Santo leva o seu coração a sentir o poder da sua promessa e anuncia a salvação: «Animai-vos, não temais! Eis o vosso Deus [...] Ele vem para vos salvar» (v. 4). E, então, tudo se transforma: o deserto floresce, a consolação e a alegria apoderam-se dos desanimados, o coxo, o cego e o mudo ficam curados (cf. vv. 5-6). É o que se realiza com Jesus: «Os cegos vêem e os coxos caminham; os leprosos ficam limpos e os surdos ouvem; os mortos ressuscitam e a Boa Nova é anunciada aos pobres» (Mt 11, 5). Esta descrição mostra-nos que a salvação abrange o homem todo e o regenera. Mas este novo nascimento, com a alegria que o acompanha, pressupõe sempre um morrer para nós mesmos e para o pecado que existe em nós. Daqui deriva o apelo à conversão, que está na base da pregação, tanto do Baptista como de Jesus; em particular, trata-se de converter a ideia que temos de Deus. E o tempo do Advento estimula-nos a isto, precisamente com a pergunta que João Baptista faz a Jesus: «És Tu aquele que há-de vir, ou devemos esperar outro?» (Mt 11, 3). Pensemos: durante a vida inteira, João esperou o Messias; o seu estilo de vida, o seu próprio corpo é plasmado por esta espera. Também por isto, Jesus elogia-o com estas palavras: ninguém é maior do que ele, entre os nascidos de mulher (cf. Mt 11, 11). E, no entanto, também ele teve que se converter a Jesus. Como João, também nós somos chamados a reconhecer o rosto que Deus quis assumir em Jesus Cristo, humilde e misericordioso. O Advento é tempo de graça. Diz-nos que não é suficiente acreditar em Deus: é necessário purificar a nossa fé todos os dias. Trata-se de nos prepararmos para receber não um personagem de conto de fadas, mas o Deus que nos interpela, nos envolve e diante do qual se impõe uma escolha. O Menino que jaz na manjedoura tem o rosto dos nossos irmãos e irmãs mais necessitados; dos pobres, que «são os privilegiados deste mistério e, muitas vezes, aqueles que melhor conseguem reconhecer a presença de Deus, no meio de nós» (Carta Ap. Admirable signum, 6). A Virgem Maria nos ajude para que, ao aproximarmo-nos do Natal, não nos deixemos distrair pelas coisas externas, mas abramos espaço no nosso coração para Aquele que já veio e ainda quer voltar para curar as nossas enfermidades e para nos conceder a sua alegria. (cf. Papa Francisco, na Oração do Angelus, na Praça de São Pedro, Roma, no dia 15 de Dezembro de 2019)

quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

SANTOS POPULARES


BEATO JUSTO TAKAYAMA UKON
            - O “SAMURAI DE CRISTO”

Takayama Ukon (de acordo com o uso japonês, o sobrenome vai antes do nome), também conhecido como Hikogoro Shigetomo, nasceu entre 1552 e 1553, no castelo de Takayama, perto de Nara. O seu pai, Takayama Zusho (ou Takayama Tomoteru), pertenceu à nobreza militar que, na época, estava frequentemente envolvida em várias guerras entre os diferentes senhores feudais: de facto, a partir de 1538, Zusho Takayama serviu, como samurai, o nobre Matsunaga Hisashide e tornou-se comandante do castelo de Sawa.
Naquele tempo, em 1563, Zusho também foi um dos juízes encarregados de examinar o trabalho do jesuíta Padre Gaspar Vilela, que, quatro anos antes, tinha fundado a primeira missão católica, em Kyoto, a sede do Imperador. O padre Vilela respondeu com tanta firmeza às acusações que lhe foram dirigidas que o samurai ficou convencido de que ele é que estava certo: reconheceu a seriedade da doutrina cristã e converteu-se ao cristianismo. No baptismo, recebeu o nome de Dario.
Quando voltou para o seu castelo de Sawa, convidou o catequista Lorenzo, fiel companheiro do Padre Vilela, a explicar a sua fé à sua família. Em 1563, muitos dos seus soldados, a sua esposa e os seus seis filhos foram baptizados. Ukon, o filho mais velho, recebeu o nome cristão de Justo.
Por causa das contendas entre os vários chefes militares, o clã Takayama sofreu um duro golpe: teve de abandonar o castelo de Sawa, por causa dos inimigos do nobre que ele servia. Dario, então, juntou-se ao seu amigo Wada Koremasa e ao seu exército. Ambos, começaram a mover influências para que os missionários católicos pudessem instalar-se em Kyoto. O senhor do lugar, Oda Nobunaga, consentiu na vinda dos missionários e, depois, protegeu a pequena comunidade cristã ali fundada.
Nesta altura, Justo estava na idade adequada para seguir a carreira militar. Em 1571, participou numa batalha muito importante da qual saiu vitorioso. No entanto, com a morte de Wada Koremasa, Justo desentendeu-se, radicalmente, com o filho de Wada, Korenaga: os filhos dos dois amigos tiveram de lutar, um contra o outro, num duelo. Justo venceu, matando o seu adversário, mas ficou gravemente ferido. Permaneceu, muito tempo, entre a vida e a morte e, ao recuperar a saúde, reconheceu que não se tinha conduzido de acordo com a fé que lhe fora ensinada.
Dois anos depois, como recompensa pelos seus serviços, Zusho Takayama recebeu o condado de Takatsuki. Justo Ukon assumiu o governo deste condado, uma vez que o seu pai estava muito debilitado, por causa da sua idade avançada.
Em 1574, Justo casou-se com uma cristã, de quem ele teve três filhos e uma filha: dois dos filhos morreram pouco depois do nascimento.
Sob sua liderança, Takatsuki tornou-se um importante centro de actividades missionárias. Aqui, os que se preparavam para o baptismo podiam reunir-se, em locais adequados, para receber, regularmente, a formação doutrinal, ministrada por sacerdotes e religiosos. Justo aproveitou as facilidades desta circunstância para aprofundar os conteúdos do Evangelho e, em pouco tempo, foi considerado, pelos outros irmãos na fé, cristão exemplar.
No entanto, as questões da guerra ainda não tinham sido concluídas. Em 1578, o daimyō Araki Murashige rebelou-se, abertamente, contra Oda Nobunaga e aprisionou a irmã e filho de Justo Ukon. Este viu-se frente a um dilema: sabia que o seu pai queria permanecer fiel ao compromisso com o nobre mas, entretanto, o seu rival acampou frente ao castelo de Takatsuki, exigindo a sua rendição e ameaçando perseguir os fiéis cristãos.
Justo rezou longamente e tomou uma decisão: devolveu os direitos feudais ao seu pai e entregou-se pacificamente. Oda apreciou o seu gesto e confirmou-o como senhor local, mas exilou Dario na província setentrional de Echizen (hoje, província de Fukui). Dario aproveitou esta circunstância para espalhar o cristianismo naquela região do Japão.
Entretanto, Justo fez uma carreira brilhante ao serviço de Oda Nobunaga, tornando-se um dos seus primeiros generais. Continuou a ajudar os cristãos: obteve licença para a construção da primeira igreja em Kyoto (já não existente), de um outro edifício sagrado e de um seminário, em Azuchi, no Lago Biwa.  Em Takatsuki, o número de crentes ia aumentando ano a ano.
Quando Oda Nobunaga foi assassinado por Akechi Mitsuhide, os generais que lhe eram leais moveram guerra contra Mitsuhide e, depois, colocaram-se ao serviço de Toyotomi Hideyoshi, o novo shogun. Justo ganhou, rapidamente, a estima e a confiança do novo shogun. Assim, pôde continuar a ajudar os cristãos, conseguindo muitas conversões, mesmo entre as personalidades mais proeminentes. Em 1585, o shogun Toyotomi recompensou-o com um novo condado: o de Akashi cuja população se converteu ao cristianismo.
No entanto, por várias razões, a partir de 1587, Toyotomi Hideyoshi tornou-se hostil aos cristãos e ordenou a expulsão de todos os missionários e dos estrangeiros em geral, e começou a pressionar os nobres para que regressassem à religião dos seus antepassados.
Na noite de 24 de Julho, Justo Ukon foi convocado pelo shogun, que lhe expressou o seu desagrado por ele ter levado à conversão ao cristianismo muitos senhores feudais. Então, ordenou-lhe que abandonasse a sua fé cristã, sob pena de o exilar e de expropriar as suas propriedades. O daimyo Justo recusou-se firmemente a abandonar a sua fé, declarando que por nada deste mundo rejeitaria o seu Deus, em quem os missionários o ensinaram a acreditar.
De imediato, foi condenado a perder as suas propriedades. Justo implorou algum tempo para que pudesse, com a sua família, reorganizar a sua vida. Passado este tempo de tolerância, Justo e a sua família refugiaram-se na Ilha de Shodoshima, acolhidos na casa de um seu amigo, Konishi Yukinaga.
No entanto, o shogun Toyotomi Hideyoshio descobriu o seu paradeiro e propôs a sua reintegração, concedendo-lhe a mesma posição anterior, mas Justo rejeitou esta proposta. Então, foi feito prisioneiro e levado para Kanazawa, onde sofreu grandes vexames e privações.
Algum tempo depois, talvez por se ter arrependido do mal feito a um seu servo fiel, Toyotomi Hideyoshi mandou libertá-lo e concedeu-lhe uma renda anual. Em 1592, o shogun reconciliou-se com Justo Ukon, durante uma cerimónia solene, preparada para o efeito. Embora não tivesse sido seja reintegrado como um daimyo, Justo podia mover-se livremente por todo o império japonês. Justo aproveitou esta circunstância para desenvolver uma nova acção missionária, colaborando nas actividades missionárias dos jesuítas que, um ano antes da sua reconciliação com o shogun, tinham voltado às suas missões.
Em 1597, começaram novas perseguições contra os cristãos: 26 católicos - estrangeiros e nativos - foram crucificados na colina de Nagasaki, e um novo édito expulsou os cristãos do Japão. A morte súbita do shogun parecia abrir uma certa esperança mas, Tokugawa Ieyasu, assumiu o comando e, gradualmente, apoderou-se do trono, substituindo o herdeiro legítimo.
Após uma fase inicial de apaziguamento para com a religião cristã, o novo shogun, Tokugawa Ieyasu, começou a proibir vários dignitários e nobres de receberem o baptismo. Finalmente, em 1614, emitiu uma ordem de expulsão de todos os missionários. Os cristãos japoneses foram forçados a retomar os costumes dos seus antepassados.
Com o reinício das perseguições, Justo Ukon foi levado, sob prisão, para Kanazawa. Os seus amigos sugeriram-lhe que realizasse alguns actos de abjuração formal da fé - como calcar imagens sagradas - mas Justo recusou-se corajosamente. A quem lho sugeria, respondeu que estava ciente do extraordinário tesouro que era a fé e a religião cristã. Por isso, não deveriam fazer tal proposta, nem mesmo a brincar.  
Juntamente com a sua família, Justo foi levado para Nagasaki. Aqui, foi metido na prisão onde estavam reunidos os missionários e os cristãos que não renegaram a sua fé. Passou sete meses à espera de morrer como mártir mas, em 8 de Novembro de 1614, juntamente com um grupo de cerca de 300 cristãos, foi metido, como se fosse lixo, num barco que rumou em direcção a Manila, nas Filipinas. Durante o trajecto, Justo dedicou-se a consolar os outros, sobretudo os doentes que, como ele, iam empilhados naquele pequeno barco. Quando desembarcou, Justo teve uma recepção triunfal, como se tratasse de um verdadeiro herói da fé.
Quarenta dias depois, Justo começou a ter febres muito altas. Com a certeza estar no fim da sua vida, chamou o seu director espiritual, o Padre Morejón, e recebeu os últimos sacramentos.
Apesar de gravemente doente, encorajava, os que o rodeavam, a perseverar na fé e, constantemente, repetia o nome de Jesus. No dia 3 de Fevereiro de 1615, por volta da meia-noite, Justo depositou o seu espírito nas mãos do Pai. Tinha 62 anos de idade.
Os espanhóis, que na época governavam as Filipinas e tinham-lhe proposto ajudar a derrubar o shogun Tokugawa, deram-lhe um funeral solene e com honras militares. Algum tempo depois, na Piazza Dilao, em Manila, foi colocada uma estátua, em sua memória. Justo é apresentado vestido com a roupa típica da sua posição, com a ‘katana, a tradicional espada japonesa, segurando, nas mãos, a cruz de Cristo, que domina toda a estátua.
A Igreja Católica japonesa sempre viu em Justo um testemunho genuíno da fé e, repetidamente, tentou iniciar o seu processo de beatificação. A primeira tentativa, que remonta aos primeiros anos após a sua morte, foi iniciativa dos sacerdotes de Manila. No entanto, a política isolacionista do shogun Tokugawa impediu a recolha de provas documentais para este efeito.
A última e mais frutuosa intervenção, com o objectivo da beatificação de Justo Ukon, começou em Outubro de 2012. Monsenhor Leone Jun Ikenaga, arcebispo de Osaka e, na época, presidente da Conferência Episcopal Japonesa, entregou uma carta ao Papa Bento XVI pedindo a análise do caso. Em Agosto do ano seguinte, a Conferência Episcopal do Japão enviou os documentos do processo à Congregação para as Causas dos Santos.
Em 2015, a "Positio" (documento da Santa Sé que declara que alguém foi reconhecido como Venerável – primeiro passo para a beatificação) foi transmitida à Igreja Japonesa. Nela, Justo Takayama é apresentado como mártir: ficou reconhecido que a sua morte foi resultado das privações e dos maus-tratos sofridos na prisão. Em 20 de Janeiro de 2016, o Papa Francisco autorizou a promulgação do decreto pelo qual o seu martírio foi realmente reconhecido.
No dia 7 de Fevereiro de 2017, Justo Ukon Takayama, também chamado ‘Samurai de Cristo’, foi beatificado pelo Papa Francisco, no Osaka-jō Hall, em Kyōbashi, perto de Osaka, em cerimónia presidida pelo Cardeal Ângelo Amato, enviado do Santo Padre.
Foi a primeira vez que se fez uma celebração própria para beatificar um único mártir, originário do Japão.