- ENCONTRO ECUMÉNICO PELA PAZ
NO MÉDIO ORIENTE
O Papa Francisco encontrou-se, no passado dia 7 de Julho, em Bari,
Itália, com responsáveis de várias Igrejas Cristãs – entre eles Bartolomeu I,
patriarca ecuménico de Constantinopla (Igreja Ortodoxa); Tawadros II, patriarca
da Igreja Copta Ortodoxa de Alexandria (Egipto); e o número 2 do patriarcado
ortodoxo de Moscovo, Hilário – para rezarem juntos pela paz no Médio Oriente.
O Papa, os patriarcas orientais e os responsáveis de várias
comunidades cristãs foram saudados por centenas de pessoas no seu percurso em
autocarro pela cidade italiana, onde começaram por venerar as relíquias de São
Nicolau, santo que une fiéis do Oriente e do Ocidente.
Após a recepção por autoridades religiosas e civis, o Papa e os
Patriarcas desceram à cripta da Basílica de São Nicolau, onde foi iluminada a
lâmpada ‘uniflamma’, em forma de caravela, que simboliza a fé única católica e
ortodoxa.
Os participantes cantaram e rezaram em várias línguas, pela paz e
o fim da “discriminação”; após a recitação comum do Pai-Nosso houve um momento
de silêncio, seguido da entrega simbólica de uma lâmpada da paz, a cada um dos
líderes cristãos.
O encontro do Papa Francisco com os líderes de Igrejas e
comunidades cristãs tem como lema ‘A paz esteja convosco! Cristãos juntos pelo
Médio Oriente’. (cf. Agência
Ecclesia)
- PALAVRAS DO SANTO PADRE
- na
conclusão do encontro, na Basílica de São Nicolau
Amados irmãos e irmãs!
Sinto-me muito grato pela partilha que tivemos a graça de viver.
Ajudamo-nos a redescobrir a nossa presença de cristãos no Médio Oriente, como
irmãos. Esta presença será tanto mais profética quanto mais testemunhar Jesus,
Príncipe da paz (cf. Is 9, 5). Ele não empunha a espada; antes, pede aos seus
que a reponham na bainha (cf. Jo 18, 11). Também o nosso ser Igreja é tentado
pelas lógicas do mundo, lógicas de poder e lucro, lógicas resolutivas e de
conveniência. E temos o nosso pecado, a incoerência entre a fé e a vida, que
obscurece o testemunho. Mais uma vez sentimos que temos de nos converter ao
Evangelho, garantia de liberdade autêntica, e de o fazer urgentemente agora, na
noite do Médio Oriente em agonia. Como na noite angustiante do Getsémani, não
serão a fuga (cf. Mt 26,56) nem a espada (cf. Mt 26,52) que antecipam a aurora
radiosa de Páscoa, mas o dom de si mesmo à imitação do Senhor.
A boa nova de Jesus, crucificado e ressuscitado por amor, chegada
das terras do Médio Oriente, conquistou o coração do homem ao longo dos
séculos, porque está ligada, não aos poderes do mundo, mas à força inerme da
cruz. O Evangelho compromete-nos numa conversão diária aos planos de Deus, a
encontrar segurança e conforto apenas n’Ele, a anunciá-Lo a todos e apesar de
tudo. A fé dos simples, tão enraizada no Médio Oriente, é fonte donde tirar
água para saciar a sede e nos purificar, como acontece quando voltamos às
origens, indo peregrinos a Jerusalém, à Terra Santa ou aos santuários do
Egipto, Jordânia, Líbano, Síria, Turquia e dos outros lugares sagrados daquelas
regiões.
Encorajados uns pelos outros, dialogamos fraternalmente. Foi um
sinal de que se deve buscar sempre o encontro e a unidade, sem medo das
diferenças. E o mesmo se diga da paz: deve ser cultivada mesmo nos terrenos
áridos das contraposições, porque hoje, apesar de tudo, não há alternativa
possível à paz. Não são as tréguas garantidas por muros e provas de força que
trarão a paz, mas a vontade real de escuta e diálogo. Comprometemo-nos a
caminhar, rezar e trabalhar, e imploramos que a arte do encontro prevaleça
sobre as estratégias do conflito, que a ostentação de ameaçadores sinais de
poder seja substituída pelo poder de sinais esperançosos: homens de boa vontade
e de credos diferentes que não têm medo de se falar, acolher as razões alheias
e cuidar uns dos outros. Só assim, tendo cuidado para que a ninguém falte o pão
e o trabalho, a dignidade e a esperança, os gritos de guerra se transformarão
em cânticos de paz.
Para se conseguir isto, é essencial que os detentores do poder se
ponham, final e decididamente, ao serviço autêntico da paz e não dos interesses
próprios. Basta com os lucros de poucos à custa da pele de muitos! Basta com as
ocupações de terras que dilaceram os povos! Basta com fazer prevalecer verdades
de alguns sobre as esperanças da gente! Basta com usar o Médio Oriente para
lucros alheios ao Médio Oriente.
A guerra é o flagelo que acomete tragicamente esta amada região. E
as suas vítimas são sobretudo a gente humilde. Pensemos na martirizada Síria,
em particular na província de Deraa. Lá recomeçaram duros combates que
provocaram um número enorme de deslocados, expostos a tribulações terríveis. A
guerra é filha do poder e da pobreza. Vence-se renunciando às lógicas de
supremacia e erradicando a miséria. Muitos conflitos foram fomentados, também,
por formas de fundamentalismo e fanatismo que, disfarçados sob pretextos
religiosos, na realidade blasfemaram do nome de Deus, que é paz, e perseguiram
o irmão que vive desde sempre ao seu lado. Mas a violência é sempre alimentada
pelas armas. Não se pode levantar a voz para falar de paz, enquanto, às
escondidas, se perseguem desenfreadas corridas ao rearmamento. É uma gravíssima
responsabilidade, que pesa sobre a consciência das nações, em particular das
mais poderosas. Não se esqueça o século passado, não se esqueçam as lições de
Hiroxima e Nagasaki, não se transformem as terras do Oriente, onde nasceu o
Verbo da paz, em escuras vastidões de silêncio. Basta com contraposições
obstinadas; basta com a sede de lucro que passa por cima de todos para se
apoderar de jazidas de gás e combustíveis, sem respeito pela casa comum nem
escrúpulos pelo facto de ser o mercado da energia a ditar a lei da convivência
entre os povos!
Para abrir sendas de paz, volte-se o olhar para o lado contrário,
ou seja, para quem suplica poder conviver fraternalmente com os outros.
Tutelem-se todas as presenças, e não apenas as maioritárias. Abra-se também no
Médio Oriente a estrada para o direito à cidadania comum, estrada para um
futuro renovado. Os próprios cristãos sejam, e são, cidadãos a todos os
títulos, com direitos iguais.
Fortemente angustiados, mas nunca sem esperança, voltamos o olhar
para Jerusalém, cidade para todos os povos, cidade única e sagrada para
cristãos, judeus e muçulmanos de todo o mundo, cuja identidade e vocação devem
ser preservadas, independentemente das várias disputas e tensões, e cujo
‘status quo’ exige ser respeitado como foi deliberado pela Comunidade Internacional
e repetidamente solicitado pelas comunidades cristãs da Terra Santa. Só uma
solução negociada entre israelitas e palestinianos, firmemente desejada e
favorecida pela Comunidade das Nações, poderá levar a uma paz estável e
duradoura e garantir a coexistência de dois Estados para dois povos.
A esperança tem o rosto das crianças. Há anos que, no Médio
Oriente, um número terrível de pequeninos chora mortes violentas em família e
vê ameaçada a sua terra natal, restando-lhes, muitas vezes, como única perspectiva
ter de fugir. Esta é a morte da esperança. Os olhos de demasiadas crianças
passaram a maior parte da vida a ver escombros em vez de escolas, ouvir o
estrondo surdo de bombas em vez da alegre algazarra dos jogos. Que a humanidade
escute – peço-vos – o clamor das crianças, cuja boca proclama a glória de Deus
(cf. Sal 8, 3). É enxugando as suas lágrimas que o mundo reencontrará a
dignidade.
Pensando nas crianças – não esqueçamos as crianças –, daqui a
pouco faremos voar no ar, junto com algumas pombas, o nosso desejo de paz. O
anseio de paz suba mais alto que todas as nuvens escuras. Os nossos corações
permaneçam unidos e voltados para o Céu, à espera que torne, como nos tempos do
dilúvio, o tenro ramo da esperança (cf. Gn 8, 11). E o Médio Oriente seja, já
não um arco de guerra estendido entre os continentes, mas uma arca de paz
acolhedora dos povos e dos credos. Querido Médio Oriente: desapareçam de ti as
trevas da guerra, do poder, da violência, dos fanatismos, dos ganhos iníquos,
da exploração, da pobreza, da desigualdade e do não-reconhecimento dos
direitos. «Para ti, haja paz» (Sal 122, 8), em ti habite a justiça, sobre ti
repouse a bênção de Deus. Amém. (cf. Santa Sé)