Cardeal D. Eugénio Sales – Rio de Janeiro
“ Diante dos desafios da história, a Igreja, como um todo, tem um papel específico a exercer, que não se identifica nem substitui o dos políticos, dos economistas, dos sociólogos, etc. É o papel de quem, levando a cabo sua tarefa especificamente religiosa, dá uma colaboração própria para a solução dos problemas humanos. Nesse sentido, escreve o Santo Padre Bento XVI, na sua Encíclica “Caritas in veritate”: “A Igreja não tem soluções técnicas para oferecer e não pretende de modo algum imiscuir-se na política dos Estados; mas tem uma missão ao serviço da verdade para cumprir, em todo o tempo e contingência, em favor de uma sociedade à medida do homem, da sua dignidade, da sua vocação” (...) Outro factor de notável influência na preservação da harmonia é a sincera procura da verdade nas notícias e declarações. Dada a importância dos meios de comunicação social na formação da opinião pública, grande é a sua responsabilidade. Muitas vezes, a perspectiva da Igreja é ignorada e deturpada. Ensinamentos e actividades, em diversos âmbitos, são submetidos a análises preconcebidas, em que a interpretação subjectiva sacrifica ou anula a informação objectiva. Não podemos deixar que a radicalização de atitudes prejudique a indispensável comunhão entre instituições e pessoas. Os cristãos, como são membros de duas sociedades (a civil e a Igreja), procurem harmonizá-las “lembrando-se de que se devem guiar, em todas as coisas temporais, pela consciência cristã, já que nenhuma actividade humana, nem mesmo em assuntos temporais, se pode subtrair ao domínio de Deus” (“Lumen Gentium”, nº 36).
A coragem de servir a verdade, ensinada por Cristo, deve estar unida à humildade de reconhecer, caso existam, sombras na parte humana da obra do Senhor. A Graça divina far-nos-á ultrapassar os percalços decorrentes da fidelidade à missão recebida, assim como, caso necessário, rever procedimentos.”
PALAVRA COM SENTIDO
PALAVRA COM SENTIDO
“… O Senhor esteve a meu lado e deu-me força…” (cf. II Timóteo 4, 17)
A segunda leitura da Liturgia do dia apresenta-nos a exortação de São Paulo a Timóteo, seu colaborador e filho dileto, na qual reconsidera a própria existência de apóstolo totalmente consagrado à missão (cf. 2 Tm 4, 6-8.16-18). Vendo já próximo o fim do seu caminho terreno, descreve-o com referência a três estações: o presente, o passado, o futuro.
O presente, interpreta-o com a metáfora do sacrifício: «a hora já chegou de eu ser sacrificado» (v. 6). No respeitante ao passado, Paulo indica a sua vida passada com as imagens do «bom combate» e da «corrida» de um homem que foi coerente com os próprios compromissos e responsabilidades (cf. v. 7); por conseguinte, para o futuro confia no reconhecimento por parte de Deus, que é «juiz justo» (v. 8). Mas a missão de Paulo só resultou eficaz, justa e fiel graças à proximidade e à força do Senhor, que fez dele um anunciador do Evangelho a todos os povos. Eis a sua expressão: «Mas o Senhor assistiu-me e fortaleceu-me, para que, por mim, fosse cumprida a pregação e todos os gentios a ouvissem» (v. 17).
Nesta narração autobiográfica de São Paulo reflecte-se a Igreja (…) Em Paulo, a comunidade cristã encontra o seu modelo, na convicção de que é a presença do Senhor que torna eficaz o trabalho apostólico e a obra de evangelização. A experiência do Apóstolo dos gentios recorda-nos que nos devemos comprometer nas actividades pastorais e missionárias, por um lado, como se o resultado dependesse dos nossos esforços, com o espírito de sacrifício do atleta que não pára, nem sequer diante das derrotas; mas por outro lado, sabendo que o verdadeiro sucesso da nossa missão é dom da Graça: é o Espírito Santo que torna eficaz a missão da Igreja no mundo.
Hoje, é tempo de missão e de coragem! Coragem para reforçar os passos vacilantes; de retomar o gosto de se consumir pelo Evangelho; de readquirir confiança na força que a missão tem em si. É tempo de coragem, mesmo se ter coragem não significa ter garantia de um sucesso. É-nos pedida a coragem para lutar, não necessariamente para vencer; para anunciar, não necessariamente para converter. É-nos pedida a coragem de sermos alternativos no mundo, sem contudo jamais sermos polémicos ou agressivos. É-nos pedida a coragem de nos abrirmos a todos, sem nunca diminuir o absoluto e a unicidade de Cristo, único salvador de todos. É-nos pedida a coragem para resistir à incredulidade, sem nos tornarmos arrogantes. É-nos pedida também a coragem do publicano do Evangelho de hoje, que, com humildade, nem sequer ousava erguer os olhos ao céu, mas batia a mão no peito dizendo: «Ó Deus, tem piedade de mim, que sou pecador». Hoje é tempo de coragem! Hoje é necessária coragem!
A Virgem Maria, modelo da Igreja «em saída» e dócil ao Espírito Santo, nos ajude a sermos todos, em virtude do nosso Baptismo, discípulos missionários para levar a mensagem da salvação à inteira família humana. (cf. Papa Francisco, na Oração do Angelus, Praça de São Pedro, Roma, Domingo, 23 de Outubro de 2016)
