Cardeal D. Eugénio Sales – Rio de Janeiro
“ Diante dos desafios da história, a Igreja, como um todo, tem um papel específico a exercer, que não se identifica nem substitui o dos políticos, dos economistas, dos sociólogos, etc. É o papel de quem, levando a cabo sua tarefa especificamente religiosa, dá uma colaboração própria para a solução dos problemas humanos. Nesse sentido, escreve o Santo Padre Bento XVI, na sua Encíclica “Caritas in veritate”: “A Igreja não tem soluções técnicas para oferecer e não pretende de modo algum imiscuir-se na política dos Estados; mas tem uma missão ao serviço da verdade para cumprir, em todo o tempo e contingência, em favor de uma sociedade à medida do homem, da sua dignidade, da sua vocação” (...) Outro factor de notável influência na preservação da harmonia é a sincera procura da verdade nas notícias e declarações. Dada a importância dos meios de comunicação social na formação da opinião pública, grande é a sua responsabilidade. Muitas vezes, a perspectiva da Igreja é ignorada e deturpada. Ensinamentos e actividades, em diversos âmbitos, são submetidos a análises preconcebidas, em que a interpretação subjectiva sacrifica ou anula a informação objectiva. Não podemos deixar que a radicalização de atitudes prejudique a indispensável comunhão entre instituições e pessoas. Os cristãos, como são membros de duas sociedades (a civil e a Igreja), procurem harmonizá-las “lembrando-se de que se devem guiar, em todas as coisas temporais, pela consciência cristã, já que nenhuma actividade humana, nem mesmo em assuntos temporais, se pode subtrair ao domínio de Deus” (“Lumen Gentium”, nº 36).
A coragem de servir a verdade, ensinada por Cristo, deve estar unida à humildade de reconhecer, caso existam, sombras na parte humana da obra do Senhor. A Graça divina far-nos-á ultrapassar os percalços decorrentes da fidelidade à missão recebida, assim como, caso necessário, rever procedimentos.”
PALAVRA COM SENTIDO
PALAVRA COM SENTIDO
“…[José]… Levanta-te, toma contigo o Menino e a Sua Mãe…” (cf. Mateus 2, 13)
E hoje é realmente um dia maravilhoso... Hoje celebramos a festa da Sagrada Família de Nazaré. O termo “sagrada” insere esta família no âmbito da santidade, que é dom de Deus mas, ao mesmo tempo, é adesão livre e responsável aos desígnios de Deus. Assim aconteceu com a família de Nazaré: ela permaneceu totalmente aberta à vontade de Deus.
Como não nos surpreendermos, por exemplo, com a docilidade de Maria à acção do Espírito Santo, que lhe pede para se tornar a mãe do Messias? Pois Maria, como todas as jovens da sua época, estava prestes a realizar o seu projecto de vida, ou seja, casar-se com José. Mas, quando se dá conta de que Deus a chama para uma missão particular, não hesita em proclamar-se sua “escrava” (cf. Lc 1, 38). Dela Jesus exaltará a grandeza, não tanto pelo seu papel de mãe, mas pela sua obediência a Deus. Jesus dis-se: «Felizes, antes, os que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática» (Lc 11, 28), como Maria. E quando não compreende plenamente os acontecimentos que a envolvem, em silêncio, Maria medita, reflecte e adora a iniciativa divina. A sua presença aos pés da Cruz consagra esta disponibilidade total.
Além disso, no que diz respeito a José, o Evangelho não nos transmite nem sequer uma única palavra: ele não fala, mas age, obedecendo. É o homem do silêncio, o homem da obediência. A página do Evangelho de hoje (cf. Mt 2, 13-15.19-23) recorda três vezes esta obediência do justo José, referindo-se à fuga para o Egipto e ao regresso à terra de Israel. Sob a orientação de Deus, representado pelo Anjo, José afasta a sua família das ameaças de Herodes, salvando-a. Desta forma, a Sagrada Família mostra-se solidária para com todas as famílias do mundo que são obrigadas ao exílio; solidariza-se com todos aqueles que são forçados a abandonar a sua terra por causa da repressão, da violência e da guerra.
Por fim, a terceira pessoa da Sagrada Família: Jesus. Ele é a vontade do Pai: n'Ele, diz São Paulo, não havia “sim” e “não”, mas apenas “sim” (cf. 2 Cor 1, 19). E isto manifestou-se em muitos momentos da sua vida terrena. Por exemplo, o episódio no templo quando, aos pais que o procuravam angustiados, Ele respondeu: «Não sabíeis que devia estar na casa de meu Pai?» (Lc 2, 49) A sua repetição contínua: «O meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou» (Jo 4, 34); a sua oração, no horto das oliveiras: «Meu Pai, se este cálice não pode passar sem que Eu o beba, faça-se a tua vontade» (Mt 26, 42). Todos estes acontecimentos constituem a perfeita realização das próprias palavras de Cristo, que diz: «Tu não quiseste sacrifício nem oferenda [...]. Então eu disse: “Aqui estou [...] para fazer a tua vontade”» (Hb 10, 5-7; Sl 40, 7-9).
Maria, José, Jesus: a Sagrada Família de Nazaré, que representa uma resposta coral à vontade do Pai: os três membros desta família ajudam-se uns aos outros a descobrir o plano de Deus. Eles rezavam, trabalhavam, comunicavam. E eu pergunto-me: tu, na tua família, sabes comunicar, ou és como aqueles jovens à mesa, cada qual com o telemóvel, enquanto conversam no chat? Naquela mesa parece que há um silêncio como se estivessem na Missa... Mas não comunicam entre si. Temos que retomar o diálogo, em família: pais, filhos, avós e irmãos devem comunicar entre si... Eis o dever de hoje, precisamente no dia da Sagrada Família. Que a Sagrada Família possa ser modelo das nossas famílias, a fim de que pais e filhos se ajudem mutuamente na adesão ao Evangelho, fundamento da santidade da família.
Confiemos a Maria “Rainha da família”, todas as famílias do mundo, especialmente aquelas provadas pelo sofrimento ou pela dificuldade, e invoquemos sobre elas o seu amparo maternal. (cf. Papa Francisco, na Oração do Angelus, na Praça de São Pedro, Roma, no dia 29 de Dezembro de 2019, Festa da Sagrada Família)
