HOMILIA DA MISSA DO BAPTISMO DO SENHOR, 10 DE JANEIRO DE 2010
“…Junto do Jordão, Jesus manifesta-se com uma extraordinária humildade, que recorda a pobreza e a simplicidade do Menino colocado na manjedoura, e antecipa os sentimentos com os quais, no final dos seus dias terrenos, chegará a lavar os pés dos discípulos e sofrerá a humilhação terrível da cruz. O Filho de Deus, Aquele que é sem pecado, coloca-se entre os pecadores, mostra a proximidade de Deus ao caminho de conversão do homem. Jesus carrega sobre os seus ombros o peso da culpa da humanidade inteira, inicia a sua missão pondo-se no nosso lugar, no lugar dos pecadores, na perspectiva da cruz.
Recolhido em oração, depois do baptismo, enquanto sai da água, abrem-se os céus. É o momento esperado por multidões de profetas. "Se rasgásseis os céus e descêsseis!", tinha invocado Isaías (64, 1). Neste momento, parecia sugerir São Lucas, este pedido é satisfeito. De facto, "o céu abriu-se e o Espírito Santo desceu" (3, 21-22); ouviram-se palavras nunca antes pronunciadas: "Tu és o Meu Filho muito amado; em Ti pus todo o Meu enlevo" (v. 22). Jesus, saindo das águas, como afirma São Gregório de Nazianzo, "vê o céu abrir-se e separar-se, aquele céu que Adão tinha fechado para si e para toda a sua descendência" (Discurso 39 para o Baptismo do Senhor, pg 36). O Pai, o Filho e o Espírito Santo descem entre os homens e revelam-nos o seu amor que salva. Se são os anjos que levam aos pastores o anúncio do nascimento do Salvador, e as estrelas aos Magos vindos do Oriente, agora é a própria voz do Pai que indica aos homens a presença no mundo do seu Filho e que convida a olhar para a ressurreição, para a vitória de Cristo sobre o pecado e sobre a morte.
O feliz anúncio do Evangelho é o eco desta voz que desce do alto. Por isso, justamente Paulo, como ouvimos na segunda leitura, escreve a Tito: "Porque a graça de Deus, fonte de salvação, manifestou-se a todos os homens" (2, 11). De facto, o Evangelho é para nós graça que dá alegria e sentido à vida. Ela, prossegue o Apóstolo, "ensina-nos a renunciar à impiedade e aos desejos mundanos, a fim de que vivamos no século presente com toda a sobriedade, justiça e piedade" (v. 12); isto é, conduz-nos para uma vida mais feliz, mais bela, mais solidária, para uma vida segundo Deus. Podemos dizer que também para estas crianças hoje se abrem os céus. Elas receberão o dom da graça do Baptismo e o Espírito Santo habitará neles num templo, transformando em profundidade o seu coração. A partir deste momento, a voz do Pai chamará também a eles para serem seus filhos em Cristo e, na sua família que é a Igreja, concederá a cada um o dom sublime da fé. Este dom, agora que não têm a possibilidade de compreender plenamente, será colocado no seu coração como uma semente cheia de vida, que espera desenvolver-se e dar fruto…”
PALAVRA COM SENTIDO
PALAVRA COM SENTIDO
“…José, filho de David, não temas…? (cf. Mateus 1, 20)
Neste quarto e último domingo de Advento, o Evangelho (cf. Mt 1, 18-24) guia-nos rumo ao Natal através da experiência de São José, uma figura aparentemente secundária, mas em cuja atitude está encerrada toda a sabedoria cristã. Com João Baptista e Maria, ele é um dos personagens que a liturgia nos propõe para o tempo de Advento; e dos três, é o mais modesto. Alguém que não prega, não fala, mas procura cumprir a vontade de Deus; e fá-lo no estilo do Evangelho e das Bem-Aventuranças. Pensemos: «Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu» (Mt 5, 3). E José é pobre porque vive do essencial, trabalha, vive do trabalho; é a pobreza típica daqueles que estão conscientes de que em tudo dependem de Deus e n’Ele depositam toda a sua confiança.
A narração evangélica de hoje apresenta uma situação humanamente constrangedora e contrastante. José e Maria são noivos; ainda não vivem juntos, mas ela está grávida de um menino por obra de Deus. Perante esta surpresa, naturalmente José sente-se perturbado, mas em vez de reagir de maneira impulsiva e punitiva – segundo a tradição, dado que a lei o protegia – procura uma solução que respeite a dignidade e a integridade da sua amada Maria. O Evangelho diz assim: «José, seu esposo, que era um homem justo e não queria difamá-la, resolveu deixá-la secretamente» (v. 19). Com efeito, José sabia bem que se tivesse denunciado a sua esposa, tê-la-ia exposto a graves consequências, até mesmo à morte. Tem plena confiança em Maria, que ele escolheu como sua esposa. Não entende, mas procura outra solução.
Esta circunstância inexplicável leva-o a questionar o seu vínculo; por isso, com grande sofrimento, decide separar-se de Maria sem criar escândalo. Mas o Anjo do Senhor intervém para lhe dizer que a solução por ele imaginada não é a desejada por Deus. Aliás, o Senhor abriu-lhe um novo caminho, uma senda de união, de amor e de felicidade, dizendo-lhe: «José, filho de David, não temas receber Maria, tua esposa, pois o que Ela concebeu é obra do Espírito Santo» (v. 20).
Nesta altura, José confia totalmente em Deus, obedece às palavras do Anjo e recebe Maria. Foi precisamente esta confiança inabalável em Deus que lhe permitiu aceitar uma situação humanamente difícil e, em certo sentido, incompreensível. Na fé, José compreende que o menino gerado no ventre de Maria não é seu filho, mas o Filho de Deus, e ele, José, será o seu guardião, assumindo plenamente a sua paternidade terrena. O exemplo deste homem, manso e sábio, exorta-nos a elevar o olhar e a impeli-lo mais além. Trata-se de recuperar a surpreendente lógica de Deus que, longe de pequenos ou grandes cálculos, é feita de abertura a novos horizontes, a Cristo e à sua Palavra.
A Virgem Maria e o seu casto esposo José nos ajudem a pôr-nos à escuta de Jesus que vem e que pede para ser acolhido nos nossos projetos e nas nossas escolhas. (cf. Papa Francisco, na Oração do Angelus, na Praça de São Pedro, Roma, no dia 22 de Dezembro de 2019)
